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O Segredo Para Evitar Situações que Nos Fazem Mal

Nós vivemos em um mundo de constante estímulo. O cérebro humano, em sua incrível capacidade de adaptação, encontra maneiras de lidar com esses estímulos, estabelecendo um processo natural de “habituação”. Mas, o que acontece quando nos acostumamos com aquilo que, na verdade, deveria nos incomodar? O que ocorre quando os padrões, as rotinas e até os relacionamentos negativos se tornam invisíveis aos nossos olhos, tornando-se parte da nossa “norma”?

Essa é a chave para entender a habilidade do cérebro de se adaptar, mas também o ponto de partida para um importante processo de autodescoberta e evolução: a prática de ‘desabituar’.

O Poder da Habituação no Cérebro
A habituação é um fenômeno psicológico e neurobiológico em que um organismo deixa de perceber ou reagir a estímulos constantes ou repetidos. Imagine que você mora perto de trilhos de trem: no começo, o barulho incomoda, mas, com o tempo, você se acostuma e nem percebe mais. Da mesma forma, ao entrar em uma cafeteria, o aroma de café fresco que inicialmente agrada, com o passar do tempo, se torna quase imperceptível.

Esse processo de “não perceber mais” é um mecanismo evolutivo essencial para nossa sobrevivência, conforme explica a neurocientista Tali Sharot, professora da University College London: “Quando algo se torna previsível e seguro, nosso cérebro começa a economizar recursos e atenção. Não faz sentido gastar energia em algo que já sabemos que não representa uma ameaça”.

No entanto, o grande desafio está em quando nos acostumamos com situações prejudiciais ou tóxicas que, de tão familiares, se tornam invisíveis. Isso ocorre em diversos aspectos da vida — seja no ambiente de trabalho, em relacionamentos ou até mesmo em hábitos de saúde que se tornam prejudiciais com o tempo.

Superando a Adaptação
Para dar um passo em direção à transformação, é essencial interromper o processo de habituação, ou seja, desabituar. Esse conceito não se refere apenas a deixar de perceber o que nos faz mal, mas sim a tomar consciência daquilo que precisa ser reavaliado, modificado ou até mesmo abandonado.

Um estudo de 2019 publicado no Journal of Behavioral Decision Making mostrou que a adaptação excessiva a um ambiente ou situação pode diminuir nossa capacidade de perceber riscos ou benefícios, levando à complacência. Ou seja, o fato de uma situação ser constante e familiar não significa que ela seja benéfica ou saudável.

Como podemos, então, nos ‘desabituar’ para melhorar nossas vidas?

Estratégias para ‘Desabituar’ o Cérebro
Faça Pausas Conscientes: O Distanciamento Para Ver Melhor
A neurociência aponta que uma das melhores maneiras de “desabituar” o cérebro de uma situação é, simplesmente, dar-lhe uma pausa. Ao nos afastarmos temporariamente de um problema ou situação, podemos olhar para ele com uma nova perspectiva. Isso aplica-se a relacionamentos, ambientes de trabalho ou até mesmo comportamentos prejudiciais.
Tali Sharot explica que, ao nos distanciarmos, o cérebro se desabituará gradualmente e poderá avaliar a situação com mais clareza. “Um mês longe das redes sociais, por exemplo, pode diminuir o estresse e aumentar o bem-estar, pois a distância traz nova perspectiva” (Sharot, 2024). Estudos demonstram que essas pausas podem restaurar a clareza emocional e aumentar a satisfação.

Renove o Prazer: A Curiosidade Está no Novo
Na filosofia, o conceito de novidade sempre foi importante para estimular o prazer. Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, já afirmava que o prazer está intimamente ligado ao novo e ao inesperado. Esse princípio se aplica ao nosso cérebro: a familiaridade com algo reduz a intensidade do prazer.
Em um estudo realizado por Sharot e sua equipe, observou-se que, nas férias, as pessoas experimentam maior satisfação nas primeiras horas e dias de descanso. Quando a novidade desaparece, o prazer tende a diminuir. Com isso, a científica sugere que interromper o ciclo de rotina e buscar novidades — seja por meio de viagens curtas ou mudanças na forma de trabalhar — pode maximizar o prazer e o bem-estar.

Reconheça os Padrões Invisíveis
Em um nível mais profundo, o verdadeiro desafio está em reconhecer o que estamos ignorando. Este conceito se alinha ao conformismo descrito por Foucault em suas análises da sociedade. Como ele sugere, muitas vezes nos conformamos com o que é imposto pela sociedade ou pelos nossos próprios hábitos, sem questionar.
Tomemos como exemplo um ambiente de trabalho tóxico. Inicialmente, um ambiente de alta pressão pode parecer motivador. Porém, com o tempo, se não questionado, isso pode se transformar em uma cultura prejudicial de estresse e impactará na saúde mental. A chave está em reconhecer esse padrão e agir conscientemente para interrompê-lo.

O Efeito das Pausas: Menos é Mais
No campo das neurociências, doses de prazer intermitentes têm se mostrado mais eficazes que a exposição constante. A prática de pausas frequentes e interrupções controladas em nossa rotina ativa a curiosidade — um dos maiores motores da motivação. Isso pode ser visto em pesquisas sobre comportamentos de dopamina, onde estímulos esporádicos são mais recompensadores que aqueles que são contínuos.

Pesquisas indicam que quando tomamos pausas deliberadas, mesmo nas melhores situações, podemos, paradoxalmente, maximizar o prazer e a satisfação. Isso não significa interromper a vida de maneira drástica, mas sim adotar intervalos saudáveis.

O Desafio da Autopercepção
O segredo para “desabituar” o cérebro e evitar situações que nos fazem mal está em questionar aquilo que é dado como certo. Está em entender que a familiaridade não é sinônimo de benfeitoria. A verdadeira transformação acontece quando tomamos as rédeas da nossa percepção e começamos a reconhecer, analisar e mudar o que precisa ser reavaliado.

Ao desafiar nossa tendência natural de nos acostumar com tudo, podemos restaurar nossa capacidade de perceber com clareza. E, ao fazer isso, criamos a oportunidade para uma vida mais significativa, mais saudável e mais gratificante.

Referências:
Sharot, T. (2024). Look Again: The Power of Noticing What Was Always There.
Langer, E. J., & Rodin, J. (2019). The Effects of Choice and Personal Responsibility in Older Adults: A Field Experiment in an Institutional Setting. Journal of Behavioral Decision Making.
Foucault, M. (1975). Surveiller et punir: Naissance de la prison.

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