A EQUIVOCADA RELAÇÃO DA FELICIDADE NAS EMPRESAS
“A menor realidade indivisível é, na minha opinião, inteligente e está esperando para ser usada pelos espíritos humanos e os convidarmos a buscá-la. Corremos demais, com as mãos nervosas e as mentes preocupadas. Somos impacientes quanto aos resultados. O que precisamos … é do reforço da alma proporcionado pelo poder invisível esperando para ser usado … Sei que existem reservatórios de força espiritual dos quais nós, descuidadamente, nos afastamos … Acredito que um dia seremos capazes de conhecer bem essa fonte de poder e o domínio do espírito para criarmos alguma coisa nós mesmos … Acredito firmemente que a humanidade já foi mais sábia quanto aos assuntos espirituais do que sornas atualmente. Enquanto hoje nós apenas acreditamos, eles sabiam.” (Ford, Henry)
Partindo da ideia de que o mundo correria o risco de ser devastado e a humanidade poderia ser varrida da Terra, a modernidade com o pós guerra, foi marcado com o poderio que as nações dispunham dos meios técnicos para a destruição em massa, destacando a importância de compreender a adoção dos regimes totalitários e com ele a humanidade passava então a testemunhar a politização da vida em todos os seus níveis e por uma incoerência, que poderia representar a própria dissolução da mesma, com a imposição dominante e controlado, cada vez mais imperativos do Estado na vida das pessoas, com o domínio da burocracia e as tecnocracias, que propuseram a eficiência o modelo claro para subtrair os espaços entre os homens, despolitizando-os. Desta forma, pode se dizer então que na verdade o mundo moderno nada mais seria que as falsas impressões observadas dentro dos espaços relacionais humanos como insidioso, predominando a pequenez dos interesses ideológicos de seus defensores, diante as expressões da luta e violência entre as nações ou na opressão e diminuição dos ideais humanos à condição de meros espectadores. Esse preconceito, por assim definido, levaria ao fim da liberdade de escolhas e a adoção de modelos autocráticos em toda sociedade, fortemente representado na iniciativa privada.
Quando se incorpora a ideia centralização do poder para o mundo moderno, tem por motivo óbvio relaciona-lo ao mundo corporativo que sofreram fortemente a influência política perversa internalizando-os em seus modelos de gestão organizacional. Até um pouco mais dos meados do século XX, as empresas foram vigorosamente marcadas pelo mesmo modelo totalitarista e burocrático de gestão, havendo cada vez mais o estreitamento da sociedade da produção com a constituição de que cada pessoa se convertesse em objeto, ou melhor, uma unidade de produção. O conceito de sociabilidade se estreitou, impactando diretamente na formatação de um espírito muito mais individualista, prevalecendo como objeto a produção e a conceptualização da renda como fator decisório do reconhecimento social. A essência a partir daí passa a ser focada no indivíduo, impossibilitando assim ter o olhar para o outro, consequentemente refletindo drasticamente nos conceitos fundamentais da pluralidade do ser humano, para a singularidade, intervindo no bem-estar social, distorcendo valores capitais, com a ética e a moral, refletidas na própria ausência da liberdade das pessoas.
Logo após a segunda guerra mundial, o século XX é marcado com a ascensão do mundo corporativo, que se viu movidos por um mercado crescentemente avante pelas necessidades maior de consumo, gerando um imensurável aumento na produção de bens materiais. Consequentemente, com a progressiva demanda se estabelece um universo econômico muito mais competitivo e políticas corporativas cada vez mais agressivo. Com a globalização este quadro se intensificou. A partir da revolução da informação, com a reestruturação mundial das redes de telecomunicações, por volta de 1970 esta política imediatista foi sendo cada vez mais crescente e as cobranças progressivamente maior. Modelos cruéis de gestão vão sendo reinventados, estabelecendo políticas de resultados contida na gestão focada na lucratividade e baixo custo em todo mundo, gerando uma normatização paranoica de excessos nas classes trabalhadoras, refletidas em mal estar na sociedade, sejam pela falta de tempo, rotina, instabilidade financeira, pressão no trabalho ao mesmo tempo o distanciamento de necessidades como família, amigos, vida pessoal, comunidade, lazer e espiritualidade, circunspecta diretamente na psique das pessoas, tornando-as mais sofríveis e infelizes.
Nesta paranoia globalizada, o acumulo de responsabilidades no trabalho somadas às cobranças sociais, foi deixando distante a consciência das intenções dos esforços que cada indivíduo tomava para alcançar seus objetivos, passando então a focar no que se faz, e não mais em como e o por que faz. Com o capitalismo contemporâneo, não foi apenas a maneira de como administrar os afetos e todo restante que compõe a vida, mas a diversidade de aspectos relevantes que mudaram ao longo deste tempo, distanciando as pessoas de seus propósitos e ideais para se viver. Transtornando as percepções e motivações, gerando uma nova forma de avaliar a qualidade de vida e satisfação. Diante as necessidades, cada vez mais distantes de serem alcançadas, criadas pelo próprio desejo do homem, o mundo globalizado foi se transfazendo a ser mais algoz com as imposições das regras produtivas e práticas tiranas foi se estabelecendo nos meios de produção e a sociedade começa a sentir o peso da amargura das classes trabalhadoras.
Estudiosos sociais como Christophe Dejours, perceberam naquele momento um contrassenso que estava estabelecido no mercado referente principalmente a qualidade e a satisfação da vida na sociedade. Doutor em Medicina e especialista em medicina do trabalho e em psiquiatria e psicanalista, Dejours apresentou seu trabalho de pesquisa no início da década de 1980, que relacionava o sofrimento com a capacidade de produção. Em seu estudo, ele propõe que frente ao imediatismo capitalista moderno, aonde o número de responsabilidades, o acumulo de trabalho e a intensidade de cobranças eram cada vez maiores, intensificou-se o sofrimento nas pessoas. O grande paradoxo desta descoberta é que ele evidenciou que o sofrimento faz com que as pessoas produzam mais e mais exponencialmente, e foi exatamente isto que o mundo corporativo já havia percebido. Dejours constatou que, em dose certa, por um determinado tempo, é possível criar estrategicamente ambientes controlado para explorar este sofrimento, já que o sofrimento traz por si um aumento maior na produção individual. Em outras palavras, diante a esta perspectiva, psicologicamente falando, o sofrimento gera um bloqueio inconsciente da consciência, aonde o indivíduo entra em um ciclo repetitivo constante, dentro da relação: necessidade, ação e sofrimento. Este ciclo se estabelece quando a pessoa deixa de pensar e passar a se ocupar para não pensar, já que o pensar então o faz sofrer. Uma espécie de anestesia, cegando de si mesmo. Robotizados, se permitem a viver completamente no automático, sem conseguir perceber o próprio ambiente e as condições de sobrevivência no qual está exposto.
Mal-estar, sofrimento e sintomas psicopatológicos, deveriam representar o ponto chave de reflexão para a problemática ocasionada por esta cultura individualista gerada principalmente pelos excessos de trabalho que se estabeleceu no mundo contemporâneo e a Revolução da Informação representa parte central desta transformação crítica do comportamento diante as estruturas econômicas em todo mundo. Este modelo cada vez mais exploratório, centralizadores, tornou-se a representação do próprio sofrimento das pessoas produtivas subversivos a líderes temorosos exercendo seu poder de forma autocrática e resultado a todo custo, com seus colaboradores transformados em singulares objetos de produção.
Não havendo mais espaço para tamanho descontentamento social, já nos meados da década de 90 os modelos autocráticos começam a demostrar fadiga, colocando em risco a própria sobrevivência das corporações. A revista Fortune por exemplo, que desde 1955 publica as 500 maiores empresas do mundo, possibilitou cientistas sociais a fazerem pesquisas que alertaram o mundo da necessidade de mudança. Suas pesquisas demostravam claramente que a velocidade que empresas neste período pós-guerra foram se tornaram gigantes também foram desaparecendo. Em menos de 10 anos, muitas delas perderam grande parte de seus capitais ou até mesmo desapareceram. Fato este ocorrido, principalmente a partir da década de 80, (quando também é lançado o DSM 3 onde é catalogado os primeiros diagnósticos de transtornos psicossociais como pânico, fobias sociais, etc.). Se você analisar a edição da Fortune de 1985, auge dos modelos baseados na lucratividade e na centralização de gestão, e comparar com a edição de 1995, quando a revolução da informação deu seus primeiros sinais para a urgência de mudança (começa a dar espaço a era da transformação – era do conhecimento), constatará que mais de 50% das empresas que faziam parte das 500 mais da década de 80, desapareceram da lista ou efetivamente deixaram de existir. Este ciclo foi se repetindo progressivamente até a primeira década do século XXI, com o gradativo fortalecimento de uma mudança da revolução da informação para a era da transformação.
Da revolução da informação para a era da transformação há uma quebra de padrões no comportamento e na maneira a qual as pessoas passam a enxergar o mundo em que vive bem como, os valores dados a seu trabalho. Com a velocidade das mudanças e a necessidade cada vez maior das pessoas buscarem seu reconhecimento individual, tornou-se um mundo também de exigências, representadas em ações como as megatendências sociais e tecnológicas. Não podendo ser diferente para um universo conectado aonde a informação passa a ser acessada por todos e em todos os momentos. O mundo corporativo começou a entender que a tecnologia era fator para igualar as empresas e que seus diferenciais estão justamente no saber, no fator pensante de seus colaboradores. Se até o final do século XX o bom empregado era aquele que deixava a consciência e o “pensar” em casa, na era da transformação houve uma transfiguração de valores e a mão de obra vai perdendo posição cada vez mais para as maquinas enquanto a capacidade de conhecimento para pensar, criar, inovar, vão se tornando diferenciais. Não por menos, o mundo focado cada vez mais nas necessidades de produção, na lucratividade e no acumulo de bens, até um passado não tão distante, não se dava a importância em perceber as mudanças que estavam ocorrendo dentro das organizações, incapazes de relacionar a obviedade entre as psicopatologias, trabalho, cultura e a forma de viver. Esta noção só aconteceu quando as problemáticas passaram a serem refletidas diretamente na lucratividade das empresas, com prejuízos tangíveis e intangíveis às estruturas econômicas pela queda produtiva de seus trabalhadores, pelos afastamentos, os altos índices de toner over, da dificuldade de reposição de profissionais cada vez mais especializados, no aumento significativo dos custos produtivos, mal-estar e sofrimento refletidos no descontentamento familiar e social, desconstruções do clima organizacionais entre tantos outros.
O mundo sócio econômico contemporâneo é o reflexo deste passado que foi quase ontem e que muitos ainda não conseguem visualizar. Hoje é evidente observar que este tipo de ciclo tirano não se sustenta a longo prazo e os impactos gerados pelo sofrimento que foram sendo intensificadas com o tempo, acabaram não só por adoecer a própria estrutura organizacionais das empresas, mas toda uma sociedade, no qual ajudou a estabelecer psicopatologias sociais que até a poucas décadas passadas eram desconhecidas, e que agora são a marca desta nova era pelo progressivo adoecimento social. Estudos demostram que o crescente aumento de psicopatologias ocasionadas em ambientes do trabalho é o que ajudou a tornar a depressão uma das mais preocupantes doenças no mundo. A depressão é hoje a segunda maior causa de afastamento no trabalho (será a primeira em menos de 10 anos) e o terceiro maior investimento em saúde no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em dez anos. Até 2020, esta será a doença mais incapacitante do planeta.
Diante ao impacto das psicopatologias sociais, o século XXI passa a ser um marco fundamental para as mudanças comportamentais e as novas formas de ver o negócio e seus modelos de gestão. A sociedade cada vez mais doente exige mudanças e as empresas passam a perceber que suas culturas organizacionais precisam quebrar o status quo, que de alguma forma sejam capazes de internalizar para dentro das empresas modelos mais práticos e ágeis de gestão, que de alguma forma sejam menos desgastantes e que de alguma forma represente o valor humano. O mundo corporativo busca então encontrar maneiras de quebrar padrões e estabelecer novas possibilidades de atrair e assegurar seus talentos, propósitos e reconhecimento, que se enquadrem na dinâmica das mudanças, sabendo que é fator decisório que as ações humanas hoje, estejam interligadas em torno de uma vontade de fazer as coisas porque são importantes, trazem satisfação, são interessantes e porque faz parte de algo maior e assim, conquistar e conservar os talentos tornou-se missão para as empresas.
Quem disse que esta fórmula seria fácil. Ao mesmo tempo que os profissionais se tornam mais exigentes o mundo também está socialmente mais doente. Como então conciliar a produtividade com o bem-estar de seus colaboradores?
A CULTURA DA FELICIDADE
A Cultura da Felicidade tornou-se predominante na vida social e logo então foi incorporada ao mundo dos negócios, não por menos, nada mais representativo que a palavra FELIZ para um mundo cada vez mais depressivo e infeliz. A cultura da felicidade é um contrassenso frente a uma sociedade crescente de psicopatologias sociais no universo em que consiste dentro de uma normose. Esta ideologia aonde ser feliz passa então a ser valor, é representada pelas empresas como promessa conjunta de não só de minimizar conflitos como também questionamentos além de fazer o colaborador se sentir mais presente, pertencente a algo maior, como parte da empresa. Um movimento puramente cartesiano, que surge com a ideia imediatista construída principalmente a partir do final do século XX junto com propostas socioeconômicas impostas como as megatendências. Palestras motivacionais, encontros sociais, discursos oportunistas, e conotações de que a empresa é na verdade uma família começam a ser parte dos discursos corporativistas, tornando-se comum hoje ver o patrocínio de ideias de positividade usando a felicidade como troca, como moeda; jargões como mindset, positividade, amar a si mesmo, resiliência, pró atividade, empreendedorismo, temperança, altruísmo, entre outras conotação são dadas como sinônimos propostos pela cultura da felicidade aonde cada colaborador é incentivado a focar na produtividade e expressar seu amor próprio como gratidão. Receitas prontas, cada vez mais são apresentadas a sociedade, que as absorvem como verdadeiros manuais, tudo para alcançar um maior índice de felicidade pessoal e a satisfação de uma vida plena, tudo para tentar reduzir assim males como a ansiedade, sofrimento, aliviar sintomas de doenças, transformando em um profissional feliz e mais resiliente ao próprio sofrimento. A inteligência é substituída pela autoajuda, e neste modelo modista os gurus motivacionais fortalecem a ideia de que a felicidade pode ser acessada por atacado, a todos e em todos instantes, se não constante, e que este é o caminho para a satisfação e o aprimoramento do ser humano. Não ser feliz passou a ser signo de problemas, e as pessoas que não são felizes precisam de ajuda, pois algum problema há! Mas a realidade não é bem assim!
SER OU NÃO SER FELIZ, EIS A QUESTÃO!
Antes que seja feita qualquer interpretação equivocada do que descrevo, que fique claro que o objetivo aqui não é, em hipótese alguma, patrocinar a infelicidade e muito menos questionar o desejo individual de usufruir dos momentos em que se é feliz, em outras palavras o que se busca é demostrar que a felicidade da forma distorcido e explorada, principalmente por movimentos de autoajuda, provavelmente jamais conseguirá encontrar o resultados efetivamente positivos, e que, quase sempre, a proposta da cultura da felicidade está muito distante de se relacionar ao bem estar pessoal e social, e mais próxima na verdade de se encontrar o sofrimento. Correndo o risco de os resultados serem necessariamente o inverso do esperado, senão uma tragédia organizacional. Portanto, trata-se aqui de uma reflexão sobre o que se pode encontrar quanto a obsessão moderna da cultura da felicidade ultrapassa a insensatez social e são absorvidas pelo mundo corporativo.
A REALIDADE É
É parte central desta discussão a compreensão de que o grande problema é que as respostas encontradas com estes tipos de soluções imediatistas, não sistêmicas, sempre geram a falsa sensação de cura, que a equipe está mais motivada e que há uma melhora significativa de produção, mas se for analisar hoje empresas que adotaram a cultura da felicidade em seu ambiente de trabalho como resposta para sanar seus problemas na verdade vai se deparar muitas vezes com a realidade não tão promissora como se esperava. Elas podem até melhorar antes de piorar. Todas ações que não são sistêmicas, tendem a naufragar e não poderia ser diferente, querer padronizar a cultura organizacional com autoajuda é mesmo que querer curar um doente de câncer com placebo. É atuar no sintoma e não na causa. Não se pode acreditar em ideias de que ser feliz é ser mais produtivo, mais competente ou capacitado, ou ainda que será mais capaz de suportar problemas, por exemplo. Os gestores se esquecem que as situações de um ambiente organizacional têm influência de outros motivadores sistêmicos além dos méritos intrínsecos das ações organizacional. Não se pode abrir mão da compreensão que há uma complexidade maior dos humanos e tudo aquilo que o afeta bem como a composição de como o afeto vai ser representando para a pessoa. É necessário entender que as pessoas têm vontade própria, mente própria e uma forma de pensar própria. Por isso que muitas vezes estes tipos de soluções irão refletir nas várias alternativas para melhorar as coisas a curto prazo. Porém, o feedback de compensação pode voltar depois para assombrá-lo. O que se vê nas empresas que estabelecem a cultura da felicidade é que a solução realmente parece maravilhosa e a princípio sana os primeiros sintomas. As coisas podem melhorar ou talvez até o problema seja resolvido. Entretanto, como é praxe em todas soluções imediatistas, não sistêmicas, a resultante daqui a dois, três ou quatro anos volte ou surjam novos, ainda piores. E sem perceber, até porque a esta altura, dada a rapidez das respostas dos colaboradores de descontentamento, poucos permanecerão, outros estarão sentados nessa mesma cadeira e um novo ciclo com os mesmos problemas se restabelecerá, persistindo sistemicamente os distúrbios organizacionais, comprometendo o futuro da empresa.
COMPREENDENDO A VIDA REAL
A partir daqui, é possível apresentar algumas das resultantes que podem se tornar realidade dentro das empresas ao adotar a cultura da felicidade como premissa organizacional. Compreender a complexidade do ser humano é determinante para se estabelecer uma melhor relação colaborativa e entender que nem sempre os imperativos propostos são os melhores caminhos.
Que as reflexões a seguir ajudem no aprimoramento das relações, o bem-estar e a qualidade do ambiente trabalho com também ajude na reflexão daquilo que não irá somar, e outras prejudicar, na produtividade de cada colaborador. Portanto, de uma forma resumida diante a complexidade do tema e do ser humano, escolhi cinco pontos importantes que poderão ajudar a refletir um pouco melhor em outras possibilidades com a concepção resultante da cultura da felicidade e sua influência nos resultados que você espera alcançar com ela:
A primeira importante reflexão que se deve trazer como resultante da cultura da felicidade é a mais óbvia, o excesso de otimismo. Quando se está presente em um ambiente que propaga a cultura da felicidade, as pessoas presentes tendem a ser mais otimistas e com isto diminuem seu senso crítico, minimizando sua capacidade perceptiva para importantes ponderações como análises de riscos e visualização de obstáculos, por exemplo. Além disto, o excesso de otimismo prejudica cultivar relacionamentos mais significativos e duradouros, isto porque, pessoas muito otimistas não conseguem ver no outro por inteiro, suas virtudes, as diferenças, por isto pessoas otimistas sofrem muito mais com as decepções em seus relacionamentos a médio prazo. Pode-se dizer também que pessoas otimistas tendem a prejudicar o desenvolvimento da própria carreira, já que minimizam sua visão sistêmica e reduzem a capacidade crítica de analisar outras possibilidades. Costumam ser mais justificadores e com isto mais dependentes do acaso. Lembrando sempre que pessoas infelizes são sempre mais críticas, encontrar este equilíbrio consciente torna-se mais aberto a compreender o mundo.
A segunda importante reflexão que devemos trazer para a felicidade por atacado, ou melhor a cultura da felicidade, é que quando se articula a felicidade igualitária para todos, você na realidade está interferindo na alteridade das pessoas. Se cada pessoa tem sua forma subjetiva de ser, ela também tem sua forma de interpretar o mundo e tudo que há nele e é isto que faz cada pessoa exclusiva. Estão nas diferenças o crescimento humano, aquilo que afeta outro e vice-versa, tornando cada experiência um valor significativo do conhecimento necessário para uma vida pessoal e social melhor. O imperativo de ser feliz, retira a essência das diferenças, torna-se estatutária. Quando se equaliza um padrão comportamental em um ambiente, na verdade você está subtraindo a capacidade que cada um tem de apresentar não só seu melhor, mas também suas diferenças. Quando normatizamos pessoas nas empresas, claramente implicações irão surgir em sua produtividade, com a queda de ações criativas, empreendedoras e inovadoras. Análises fundamentalmente críticas são reprimidas. Lembre-se de que pessoas que estão contidas em ambientes que os aproximam da sensação de ser feliz, tendem a se confortar, permanecer naquele estado, seja consciente ou inconscientemente farão pouco para mudar, isto porque a felicidade é uma busca eterna, é o desejo que nos permeia a viver. Você retira a competência participativa com a diversidade e passa a criar um ambiente de consentido.
A terceira importante reflexão é que ao propor um ambiente feliz na verdade pode-se estar impedindo o reconhecimento de si mesmo e do outro. O que vai impedir reconhecer os desejos e as condições de desejos. Em outras palavras o quero dizer é que em um ambiente aonde o imperativo é a felicidade você está condicionando as pessoas a se apresentarem como completas, sem partes faltantes. Torna-se muito difícil as pessoas se apresentarem como são, imperfeitas, com medo de que suas imperfeições sejam julgadas como falhas, defeitos, problematizando a simples essência do ser. Diante a um imperativo da felicidade você constrói esta ilusão perfeccionista de si mesmo, mas que quando consciente se sente um fracasso. Sofre por alucinar por não ter correspondido ao que acham que esperam de você, sofre pelo simples fato de querer ser ou que na realidade não é.
A quarta importante reflexão é perceber que a cultura da felicidade não só aliena a necessidade de que se tem que ser feliz e suas correlações impostas como condição para representação pelas normativas sociais como o sucesso, beleza, amor próprio, mas também traz contradições de ser autêntico, autônomo, ser você mesmo e de própria liberdade, por exemplo. Isto porque este idealismo proposto acaba por servir como um orientador para vida, refletindo diretamente nas decisões. O problema é quando estas decisões são interpretadas como imperativos elas se tornam condição. Ter que ser como condição é muito diferente do ideal de querer ser. Quando a felicidade sai do campo dos sonhos e desejos e vai para o campo dos ideais como condição, você está singularizando a vida e tudo que há nela. Sai da pluralidade e passa a individualidade. Transforma o outro em objeto, distancia você do outro por não ter mais espaço para as diferenças, que quando presentes são descartadas sem dar a chance de reconhecer o valor das diferenças e crescer com a diversidade do ser. Representando a falta de independência proposta pela própria necessidade de ser humano. Está na independência a condição especifica de se diferenciar do outro, mas jamais distanciar do outro, independência é a condição humana para ser capaz de tomar suas próprias decisões. É compreender que você não é um objeto de satisfação e que o mundo deve reger sobre você. Portanto a distância é causa de sofrimento, mas a diferenciação não, já que ela parte da sua própria construção como ser. Inclusive ao ponto de se permitir não só estarem juntos, mas também ser coletivo, mais colaborativos e buscarem objetivos comuns.
E a quinta e talvez mais importante reflexão é que a cultura da felicidade impede o reconhecimento da importância evolutiva que o próprio sofrimento consciente traz na sua própria razão. Ter consciência do sofrimento prove da introspecção de reconhecimento daquilo que falta. Este reconhecimento é fator determinante que impulsiona cada um de nós para vida, sem ele você é incapaz de se movimentar, sair da caixinha (usando um termo comum) congelando em um mesmo lugar. Ser capaz de refletir sobre o próprio sofrimento permite compreender os próprios afetos, as relações de você com o mundo e tudo que tem que mudar para que possa encontrar a própria felicidade. A cultura da felicidade faz com que nem você e nem os outros sejam capazes de se reconhecer da forma singular que gostaria que fosse reconhecido, no lugar e concepção que gostaria que houvesse este reconhecimento. Este reconhecimento é o que compõe a própria identidade. Aquilo que irá usar para se apresentar, é o resultado de um aprendizado nas relações com o mundo, onde se vai aprendendo aos poucos o que os outros acham de você e se vai aprendendo sobre tudo o que se está autorizado a usar o mundo para se definir. Muitas vezes a felicidade pressupõe de um certa adequação e alinhamento entre o que pensamos de nós e entre o que mundo social nos autoriza como definição de nós mesmos e, portanto, atrelar a própria felicidade ao estado permanente de ser feliz para que se possa produzir mais, é atrelar a própria felicidade a um saco que não se deixará encher por maior que seja a sua competência eficaz, e disposição. Eis aqui então uma outra forma de sofrer.
SE AS COISAS SÃO IMPOSSÍVEIS, ISTO NÃO É MOTIVO PARA NÃO AS QUERER! (MARIO QUINTANA)
É fato que as empresas, de uma forma geral, em épocas diferentes, sempre buscaram se estruturar e conservar sua ordem para se organizar de maneira que seja capaz estabelecer sua gestão a manter a prosperidade diante suas energias vitais. Sem esquecer que cada empresa por si é um sistema e cada sistema tem suas partes, sua própria maneira de validar sua cultura, estabelecendo sua homeostasia em direção as suas conquistas legítimas e autorizadas para lucrar e ter energia suficiente para se manter no mercado, buscando desenvolver dentro da sua cultura a disciplina necessária para se estabelecer o controle. Claro que não sendo assim, de fato se estabelece o caos, pela própria natureza, gerando conflitos em todas as dimensões além do risco eminente do próprio fracasso. Em outras palavras, fato é que em épocas passadas, os princípios não foram diferentes. As formas especificas de orientação, dedicação e de organizações formadas como objeto por colaboradores que se propuseram de forma ordenada perseguir seus sonhos e desejos, que sempre que alcançados trouxeram de certa forma alguma alegria, satisfação, equilíbrio, glória e momentos de felicidade. Assim, ela, a felicidade, esteve sempre existente em toda conjuntura social que por fim, determina sua especificidade, o modelo do consumo e a maneira de reconhecimento. Logo, não é de hoje a ideologia da busca e das conquistas, por si foram representadas muitas vezes pelo consumo e para a construção do próprio discurso da própria identidade na sociedade capitalista, já por muito tempo se exercita as práticas do TER.
O que mudou daí para a contemporaneidade é a capacidade de entender que a felicidade é uma propriedade efetivamente ideológica, portanto é necessário a consciência de ter claro que queremos, porque queremos e o que queremos e não do que o mundo impõe a nós. É necessário a presença no presente. E o que vem se propagando no mundo corporativo não é a consciência do ser, mas sim seus imperativos. Muito do sofrimento hoje decorre do desejo implícito da cultura da felicidade que acaba por ser transformado em imperativo, porque você tem que ser. A obrigação de atingir o ideal gera, entre outras coisas, a sensação eminente de fracasso e angustia. Os imperativos, quase sempre são afirmativas que trazem em si algo da ordem do impossível, pelo menos na singularidade. Se eu sigo o imperativo da felicidade eu acabo por seguir como um alienado parecendo que ser feliz, mas não sou, contradizendo o próprio conceito da felicidade. Talvez, se a cultura da felicidade focasse na possibilidade de ir além do egoísmo e da alta centralização e propor ao mundo o fluxo dos recursos, a distribuição adequada de tudo o que é, para que um só não seja uma ilha de alegria, mas que todos possamos compartilhar juntos em convivência daquilo que o mundo tem de melhor a nos proporcionar, respeitar as diferenças, e aprender com tudo que o mundo nos dá, aí sim, as condições de felicidade talvez estejam melhor preenchidas sendo então capazes de reconhecer a felicidade quando se está realmente FELIZ!
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