
A Transformação da Personalidade: A Ciência por Trás da Mudança Comportamental
Você já se perguntou se sua personalidade pode realmente mudar? A maioria das pessoas acredita que nossa personalidade é um reflexo imutável de quem somos, algo com o qual nascemos e com o qual precisamos viver para sempre. Essa ideia é tão enraizada na sociedade que muitas vezes nos sentimos “presos” a certos aspectos de nossa personalidade, como se não houvesse possibilidade de transformação. Mas será que isso é realmente verdade? A ciência está desafiando esse mito e, cada vez mais, descobrimos que nossa personalidade é mais flexível e moldável do que imaginamos.
A Personalidade: O Que Ela Realmente É?
De acordo com a psicologia contemporânea, a personalidade não é algo fixo, mas sim uma combinação complexa de traços psicológicos, comportamentais e emocionais. Segundo a teoria dos “Cinco Grandes Fatores” (Big Five), a personalidade é composta por cinco dimensões principais: abertura à experiência, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo (Costa & McCrae, 1992). Essas dimensões ajudam a descrever a maneira única como pensamos, sentimos e nos comportamos em diversas situações da vida.
Entretanto, a grande descoberta é que essas características não são definitivas. Pesquisas recentes demonstram que, com esforço e intencionalidade, podemos modificar essas dimensões ao longo do tempo, ajustando nosso comportamento e pensamentos de forma a se alinhar mais com nossos objetivos e valores.
A Ciência Está Provando: A Personalidade é Moldável
A psicóloga Shannon Sauer-Zavala, professora de psicologia da Universidade de Harvard, realizou uma pesquisa pioneira que questiona a ideia de que nossa personalidade é imutável. Segundo seus estudos, as pessoas podem moldar intencionalmente os traços de personalidade necessários para atingir suas metas. A chave está em um processo de reflexão e prática contínua. Em um estudo realizado por Sauer-Zavala, os participantes que se engajaram em mudanças comportamentais específicas relacionadas à sua personalidade — como aumento de conscienciosidade ou diminuição de neuroticismo — experimentaram melhorias significativas em seus comportamentos e níveis de bem-estar, e isso em um intervalo de apenas 20 semanas.
Esses resultados são corroborados por outras pesquisas na área de neurociência, como os estudos de Richard Davidson (Universidade de Wisconsin) sobre a plasticidade cerebral, que sugerem que a prática de novos comportamentos pode realmente “reconfigurar” o cérebro. Ele argumenta que, ao repetir comportamentos e atitudes, a arquitetura neural do cérebro pode ser modificada, facilitando novos padrões de pensamento e ação (Davidson & McEwen, 2012).
Como Mudar?
O ponto central para a mudança está na intervenção cognitiva e comportamental. Técnicas como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) têm sido amplamente estudadas e aplicadas para ajudar as pessoas a reestruturarem seus padrões de pensamento e comportamento. Tais intervenções podem ser eficazes na promoção de mudanças duradouras na personalidade, uma vez que trabalham diretamente com a forma como percebemos a nós mesmos e o mundo ao nosso redor.
Contudo, um fator essencial que muitas vezes é negligenciado é a conversa interna. Como exposto em minhas práticas e estudos, a verdadeira transformação começa quando nos propomos a refletir sobre nossos próprios pensamentos e comportamentos, a questionar nossas crenças limitantes e a construir novas perspectivas. Esse processo de autoanálise e reflexão crítica é fundamental para o processo de mudança, e foi destacado por Albert Ellis, criador da Terapia Racional-Emotiva Comportamental (TREC), que demonstrou como mudar a maneira de pensar pode alterar significativamente o comportamento e a personalidade ao longo do tempo.
O Impacto das Mudanças de Comportamento na Personalidade
Imagine que você deseja se tornar uma pessoa mais responsável, mais pontual e organizada. O primeiro passo para essa transformação não está em simplesmente tentar modificar esses comportamentos, mas em questionar as crenças subjacentes que os sustentam. Como a pontualidade reflete o seu respeito pelos outros e por você mesmo? Ao questionar essas crenças e reprogramar seus pensamentos, você começa a agir de acordo com essa nova perspectiva, tomando decisões mais conscientes e organizadas. O uso de lembretes, a adoção de um planejamento diário e a redução de distrações são ações que, quando realizadas de maneira consistente, vão se tornando cada vez mais automáticas e fazem parte da sua nova identidade. Com o tempo, essas práticas não são apenas comportamentos repetitivos, mas elementos que moldam a forma como você se vê e se relaciona com os outros.
Esse processo de ressignificação — um conceito central em muitas terapias cognitivo-comportamentais — é fundamental para transformar os aspectos de nossa personalidade que desejamos modificar. Visualize as mudanças que deseja implementar em sua vida e comece a agir de maneira alinhada com esse novo “eu”. Como no processo de recondicionamento mental, o que inicialmente pode parecer um esforço se tornará, com o tempo, uma segunda natureza.
O Que a Ciência nos Ensina?
A ciência confirma o que muitos ainda duvidam: nossa personalidade é moldável. Em vez de estarmos “presos” aos traços com os quais nascemos, podemos, sim, modificá-los ao longo da vida. Podemos melhorar nossa capacidade de lidar com o estresse, aumentar nossa responsabilidade, tornar-nos mais extrovertidos ou mais empáticos — tudo isso com base em esforço intencional e práticas consistentes.
Estudos como os de Mischel (1968), em seu famoso experimento do marshmallow, mostram que a capacidade de autocontrole pode ser desenvolvida e aprimorada ao longo do tempo, alterando não apenas nosso comportamento imediato, mas também nosso perfil de personalidade ao longo da vida. O que se confirma é que nossas escolhas diárias, por menores que sejam, são os alicerces para uma transformação duradoura.
Conclusão: Transforme Seus Pensamentos, Transforme Sua Vida
Portanto, a mudança de personalidade não é um conceito abstrato ou distante. Ao contrário, é algo que está ao nosso alcance, sempre que estivermos dispostos a refletir sobre nossos pensamentos e comportamentos e a trabalhar ativamente para modificá-los.
Se você sente que está preso a um traço de sua personalidade que deseja alterar, lembre-se: a mudança não precisa ser um processo doloroso ou demorado. Ela pode começar com pequenas, mas consistentes, decisões diárias. Não se trata de alterar sua essência, mas de aprender a reagir de maneira diferente às situações da vida. E esse é o poder da transformação: os pequenos ajustes no comportamento e no pensamento podem, com o tempo, criar uma versão de você mesmo mais alinhada com os seus objetivos e valores.
Transforme seus pensamentos, transforme sua vida!
Leia o excelente artigo de Shannon Sauer-Zavala sobre o tema aqui:
https://theconversation.com/can-you-change-your-personality-psychology-research-says-yes-by-tweaking-what-you-think-and-do-237190
Referências:
Costa, P. T., & McCrae, R. R. (1992). The NEO Personality Inventory Manual. Psychological Assessment Resources.
Davidson, R. J., & McEwen, B. S. (2012). Social influences on neuroplasticity: Stress and interventions to promote well-being. Nature Neuroscience, 15(5), 689-695.
Ellis, A. (2004). Rational Emotive Behavior Therapy. In A. Freeman & A. F. Horowitz (Eds.), Cognitive Therapy and the Emotional Disorders.
Mischel, W. (1968). The Marshmallow Test: Delay of Gratification and Personality. Science, 149(3683), 444–446.
Sauer-Zavala, S. (2020). Cognitive Behavioral Therapy for Personality Disorders: A Guide to Clinical Practice. Springer.
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