
Comunicação e Saúde Mental: O Impacto Invisível da Liderança nos Riscos Psicossociais
Você acha mesmo que saúde mental no trabalho é sobre ter frutas no café e uma sala de descompressão?
Então talvez esteja na hora de rever a maneira como você entende — e pratica — a liderança.
A crença de que saúde mental no trabalho se resume a oferecer frutas, yoga ou uma sala de descompressão é uma visão obsoleta — e perigosamente simplista. Em tempos de transformações profundas nas relações de trabalho, precisamos revisitar o papel da liderança como um agente direto na construção (ou deterioração) da saúde emocional das equipes.
Com a atualização da NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1) em 2024, um novo paradigma foi estabelecido: as organizações agora têm a obrigação legal de identificar, analisar e intervir sobre riscos psicossociais. Mas a norma vai além de uma diretriz jurídica — ela explicita o que a ciência já comprova há décadas: o sofrimento no trabalho não é apenas resultado da sobrecarga de tarefas, mas da qualidade dos vínculos e das interações humanas dentro dos ambientes corporativos.
A ciência por trás do sofrimento organizacional
Pesquisas em neurociência e psicologia organizacional demonstram que ambientes emocionalmente inseguros ativam o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA), responsável pela liberação de cortisol — o hormônio do estresse. Estudos conduzidos por Amy Edmondson (Harvard Business School) sobre segurança psicológica mostram que equipes que operam em ambientes onde há medo constante de punição ou julgamento apresentam menor colaboração, maior rotatividade e índices elevados de ansiedade e burnout.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os riscos psicossociais estão entre os principais fatores associados ao absenteísmo, presenteísmo e afastamentos por transtornos mentais. A OMS já reconheceu oficialmente o burnout como um fenômeno ocupacional, e uma revisão sistemática publicada no The Lancet revelou que trabalhadores expostos a ambientes de alta exigência emocional e baixa autonomia têm maior probabilidade de desenvolver quadros depressivos.
O papel da comunicação como determinante de saúde
O grande ponto cego das organizações é este: comunicação é um determinante crítico de saúde mental no trabalho.
• Feedbacks mal dados geram insegurança e ruminação.
• Silêncios prolongados são interpretados como ameaça.
• Ambiguidades comunicacionais disparam estados de alerta.
• A ausência de escuta ativa amplifica o sentimento de isolamento.
Tudo isso contribui para o adoecimento emocional das equipes. E não se trata de uma questão meramente “comportamental” — é neurobiológica. O cérebro humano reage à linguagem como um sinal de ameaça ou de segurança. Palavras duras, imprecisas ou evitativas ativam a amígdala cerebral e bloqueiam funções executivas essenciais, como memória operacional, criatividade e regulação emocional.
A liderança como eixo de regulação emocional sistêmica
Na prática, isso significa que líderes são reguladores emocionais do ambiente. Quando falham em sua presença comunicacional, terceirizam ao RH o que é, antes de tudo, sua responsabilidade.
A comunicação organizacional deve ser tratada como infraestrutura emocional da cultura corporativa. É ela quem define se uma equipe se sente segura para se expressar ou se vive sob apneia emocional, tentando adivinhar se está tudo bem.
A nova NR-1 exige mais do que pareceres: exige maturidade relacional.
A norma estabelece, em seu texto, a necessidade de mapear fatores psicossociais, tais como relações interpessoais, cultura organizacional, estilo de liderança, comunicação interna, exigências emocionais e suporte social. Ou seja: o que antes era intangível, agora é rastreável e exigível.
O que líderes precisam desenvolver, com urgência
1. Repertório emocional: para nomear estados internos e acolher o outro com linguagem adequada.
2. Estrutura para conversas difíceis: treinamentos de comunicação não violenta, escuta ativa e negociação de conflitos.
3. Linguagem segura: substituição de comandos ameaçadores por diretrizes claras e construtivas.
4. Presença relacional: não basta estar presente fisicamente — é necessário estar emocionalmente disponível.
Não é sobre falar bonito. É sobre cuidar do impacto das palavras.
A liderança que adoece não é a que cobra resultados — é a que se omite diante do sofrimento. A que posterga conversas, alimenta ambiguidades e normaliza ambientes emocionalmente tóxicos em nome da “alta performance”.
Como provocação final, vale lembrar o que diz o neurocientista António Damásio: “Nós somos, antes de tudo, seres emocionais que pensam, e não seres racionais que sentem.” Ou seja, não há performance sem bem-estar. E não há bem-estar sem relações comunicacionais saudáveis.
Se você ocupa um papel de liderança, a pergunta que deve guiar seu dia não é “como fazer mais?”, mas:
➡️ Como posso me tornar um espaço de segurança emocional para minha equipe hoje?
Essa é a verdadeira revolução trazida pela NR-1 — uma liderança mais humana, responsável e consciente de seu impacto.
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Referências:
• Edmondson, A. C. (1999). Psychological Safety and Learning Behavior in Work Teams. Administrative Science Quarterly.
• World Health Organization (2019). Burn-out an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases.
• International Labour Organization. (2022). Guidelines on Work-Related Stress and Psychosocial Risks.
• Kahn, W. A. (1990). Psychological conditions of personal engagement and disengagement at work. Academy of Management Journal.
• Siegel, D. (2010). The Neurobiology of We: How Relationships, the Mind, and the Brain Interact to Shape Who We Are.
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Publicado por Dr. Marcello de Souza
Especialista em Desenvolvimento Cognitivo Comportamental & Organizacional
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