O MITO (E O TIMO) DA LIDERANÇA: DESCONSTRUINDO A ILUSÃO DO HERÓI SOLITÁRIO
“Liderança não é sobre ser o primeiro a cruzar a linha de chegada, mas sobre inspirar os outros a alcançarem um destino comum. A verdadeira grandeza está em saber que ninguém é grande sozinho.” – Marcello de Souza
Vivemos em um mundo onde a liderança é frequentemente tratada como sinônimo de uma pessoa excepcional. Desde o campo de batalha até o palco corporativo, a ideia do “líder único” persiste como uma verdade absoluta. No entanto, esta narrativa simplista divide o mundo entre os que comandam e os que seguem, negligenciando o poder real das equipes, da colaboração e das relações humanas que sustentam qualquer grande conquista.
Um exemplo clássico dessa mitologia ocorreu na Copa do Mundo de 2022, quando a vitória da Argentina foi rapidamente atribuída a Lionel Messi, o “herói da nação”. A história vendeu a ideia de que foi “Messi quem ganhou”, apagando o papel de uma equipe inteira que trabalhou em conjunto para alcançar aquele feito. Este é apenas um dos muitos exemplos de como a cultura do herói individual ainda domina nossa visão sobre sucesso e liderança.
No entanto, como Pablo Atela (2023) aponta em seu artigo “O Mito (e o Timo) da Liderança”, a supervalorização da liderança individual faz com que “a sociedade atual […] mitifique a liderança individual e não valorize suficientemente a equipe e seus membros” (Atela, 2023). Essa visão de liderança como centralizada em um único indivíduo desconsidera a contribuição coletiva, essencial para qualquer grande realização.
Liderança: O Mito que Derruba e a Realidade que Transforma
Quando olhamos para a história, vemos figuras como Alexandre, o Grande, e Napoleão Bonaparte, cujas ações mudaram o curso dos acontecimentos. Porém, um ponto crucial é frequentemente esquecido: um líder não existe sem seu time. Napoleão sabia disso de forma crua: “Sem o seu exército, ele era apenas um anão com um chapéu” (Atela, 2023). A grandeza de qualquer líder está, na realidade, na capacidade de mobilizar e inspirar uma coletividade, não no ego que se coloca à frente.
Pensadores como Platão e Karl Popper já questionavam esse culto à liderança individual. Platão, ao propor que o poder deveria ser compartilhado, antevia a necessidade de uma gestão coletiva, onde nenhuma pessoa fosse centralizada. Popper, com sua crítica radical, nos alertava: nossa civilização só poderia sobreviver se quebrássemos a cultura da idolatria aos líderes. E Mintzberg, ao sugerir um modelo mais colaborativo, confirma que o verdadeiro poder de liderança é exercido pela coletividade, e não pela figura isolada de um líder herói.
A Farsa da Liderança: Promessas Vazias e Expectativas Frustradas
Nos bastidores de muitos programas de “desenvolvimento de liderança”, uma grande falácia é perpetuada. Prometem que qualquer um, com o “treinamento certo”, pode se tornar o grande líder da sua história. No entanto, essa promessa raramente se cumpre. O que muitos não dizem é que esse modelo de liderança, centrado no indivíduo, cria mais frustração do que transformação real.
A pressão constante para “ser um líder” leva muitos a buscar uma perfeição individual impossível, resultando em ansiedade, exaustão e a constante sensação de inadequação. Porém, o que a experiência nos ensina é que a verdadeira liderança surge não da busca incessante por reconhecimento, mas da capacidade de construir e nutrir equipes coesas, onde a responsabilidade e a visão são compartilhadas.
O Poder das Equipes: A Liderança Coletiva que Transforma
Na prática, equipes bem-sucedidas não têm um único líder. Elas operam como um organismo coletivo, onde todos contribuem para a liderança de maneira simultânea e fluida. Não é a presença de um líder isolado que define o sucesso, mas a sinergia do grupo. O verdadeiro motor da inovação, da resiliência e do crescimento sustentável vem da colaboração, do comprometimento com um propósito comum e da habilidade de integrar diferentes perspectivas em busca de objetivos compartilhados.
Tomemos o exemplo de empresas como a “Futuro Comum”, onde três mulheres de diferentes origens e experiências compartilham a liderança. Em vez de centralizar o poder, elas dividem responsabilidades, reconhecendo que a força de suas equipes está na diversidade e na inteligência coletiva. Em tais ambientes, a equipe, e não o líder, torna-se o verdadeiro motor da inovação.
Romper com o Modelo Arcaico: O Desperdício de Talentos e a Necessidade de Transformação
É hora de questionarmos o mito da liderança isolada e refletirmos sobre o enorme desperdício de talentos que ele gera. Ao investir excessivamente na formação de “líderes” que atendem a um molde pré-determinado, ignoramos o que realmente importa: a colaboração, a inteligência relacional e o desenvolvimento coletivo.
A busca pela liderança solitária mantém muitas pessoas presas em um ciclo vicioso de autossabotagem, onde o medo de falhar e a necessidade de se destacar sobre os outros substituem a verdadeira capacidade de liderar com empatia e visão coletiva. Ao cultivar ambientes que promovem a liderança compartilhada, não só estamos criando um futuro mais sustentável para as organizações, mas também um futuro mais humano e equilibrado.
O Impacto no Desenvolvimento Cognitivo Comportamental: Liberando o Potencial Coletivo
Essa reflexão também é central no campo do desenvolvimento cognitivo comportamental. A verdadeira liderança não se constrói em modelos isolados, mas na integração de cada indivíduo ao todo, onde a colaboração e a inteligência emocional são peças-chave. O desenvolvimento comportamental nos ensina que líderes eficazes são aqueles que compreendem suas próprias limitações, que sabem se comunicar de forma empática e que promovem uma cultura de aprendizagem contínua e interdependente.
Quando trabalhamos a liderança no contexto do desenvolvimento comportamental, compreendemos que o caminho para um verdadeiro líder começa com a auto observação e o autoconhecimento. Um líder que conhece suas vulnerabilidades e limitações está mais preparado para facilitar a liderança nos outros, criando um ambiente onde todos possam crescer.
“Liderança não é sobre ser o primeiro a cruzar a linha de chegada, mas sobre inspirar os outros a alcançarem um destino comum. A verdadeira grandeza está em saber que ninguém é grande sozinho.” (Atela, 2023).
Na íntegra: https://theconversation.com/el-mito-y-el-timo-del-liderazgo-212513
Atela, P. (2023). O Mito (e o Timo) da Liderança. The Conversation. Recuperado de https://theconversation.com