ARTIGOS (DE MINHA AUTORIA),  COMUNICAÇÃO E COMPORTAMENTO,  DESENVOLVIMENTO HUMANO,  GESTÃO,  NEUROCIÊNCIA,  PENSAMENTO SISTÊMICO,  PSICOLOGIA,  PSICOLOGIA SOCIAL

REDEFININDO A PRODUTIVIDADE: O PODER DO ‘NÃO FAZER NADA

Quando foi a última vez que você se sentiu culpado por não fazer nada? Esse sentimento de culpa por não estar ‘produzindo’ algo é mais comum do que gostaríamos de admitir. Mas o que ele realmente revela sobre nós e sobre a sociedade em que vivemos?

Uma das reflexões mais urgentes e necessárias para 2025 é revisitar o impacto que os períodos mais críticos da pandemia tiveram sobre nós. Durante o isolamento, fomos arrastados por uma correria frenética para preencher o vazio deixado pela falta de conexão social, como se a produtividade fosse a única resposta válida para o medo, a incerteza e a solidão. Transformamos nossa casa em um escritório, nossa rotina em uma maratona de tarefas, e nossa mente em um campo de batalhas diárias pela constante sensação de que “precisávamos fazer mais”. A pressão para preencher cada minuto com algum tipo de produtividade não era apenas imposta pelas circunstâncias externas, mas também por um discurso social que valoriza a ação incessante como prova de valor pessoal.

Hoje, já faz mais de 3 anos desde o fim das restrições, mas a pergunta que ainda ressoa em nossos corações e mentes é: foi um erro acreditar que o confinamento deveria ser um período de produção constante? O que nos aconteceu quando não fomos capazes de descansar, de fazer pausas reais, de viver sem a pressão da produtividade incessante? O impacto disso na saúde mental é claro e devastador. O que nos ensina a experiência do confinamento, e mais importante, como podemos aprender com ela para criar um cenário mais saudável e sustentável para o futuro?

A Cultura de Produtividade Além do Trabalho

“O ócio é um bem de grande valor, não porque seja um fim em si mesmo, mas porque é o espaço necessário para refletirmos sobre a vida e nos conectarmos com nós mesmos.” — Aristóteles

A busca incessante por produtividade não se limita ao ambiente de trabalho, ou, como dizem muitos de meus clientes, ela permeia em muitas áreas da nossa vida pessoal. Em outras palavras, a busca incessante por produtividade realmente ultrapassa as fronteiras do ambiente de trabalho, afetando diversas áreas da vida. Muitas vezes, estamos tão focados em “fazer mais” que esquecemos de viver plenamente, de saborear o momento e de dar atenção ao que realmente importa.

Isso se reflete nas expectativas pessoais, familiares e até mesmo no tempo dedicado ao autocuidado. Durante o confinamento, muitos se viram em um dilema: mesmo no tempo livre, a sensação de que não estavam fazendo o suficiente para “melhorar” continuava presente. Nos momentos que deveriam ser de descanso, atividades como praticar exercícios, aprender um novo idioma ou consumir conteúdos “produtivos” surgiram como alternativas ao simples prazer de estar no ócio. Essa “produtividade no lazer” é um reflexo de uma sociedade que transforma o tempo livre em mais uma tarefa a ser cumprida. Afinal, não é mais suficiente descansar ou desconectar-se — é preciso sempre otimizar o tempo para se tornar a “melhor versão de si mesmo”.

Fato é que essa obsessão pela produtividade se estende ainda para as relações pessoais. Quantas vezes você já se sentiu pressionado a ser “eficiente” nas suas interações sociais, buscando cumprir uma agenda cheia de compromissos ou medindo a qualidade de sua vida social pela quantidade de eventos ou encontros realizados? A busca por interações “produtivas”, que gerem algo útil, muitas vezes desvia a atenção do que realmente importa nas relações: a conexão genuína, o prazer da convivência, sem a necessidade de validar ou medir tudo o que fazemos.

Em muitos casos, esse mesmo padrão atinge também o tempo que dedicamos à família. Pais e filhos, por exemplo, podem sentir-se culpados por não estarem fazendo o suficiente durante o tempo juntos. As atividades familiares podem se tornar um espaço de produtividade forçada, onde cada momento deve ser preenchido com algo educativo ou de desenvolvimento, ao invés de simplesmente desfrutar da companhia uns dos outros. Isso gera um desequilíbrio que prejudica não só o tempo de qualidade, mas também a saúde emocional de todos envolvidos.

O Que Aprendemos Até Aqui?

“O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano.”
— Isaac Newton

O que aprendemos, muitas vezes de forma dolorosa, é que o verdadeiro problema não está na ausência de trabalho ou atividade, mas na falsa noção de produtividade que nos foi imposta. Durante a pandemia, fomos levados a acreditar que cada momento de “inatividade” era sinônimo de fracasso, o que gerou uma espiral de ansiedade, exaustão emocional e desconexão. Nossos cérebros, forçados a operar em modo de alerta constante, perderam a capacidade de reconhecer as necessidades emocionais mais básicas — como o descanso e a reflexão. No entanto, se olharmos mais atentamente, o que esse período nos ensinou é que a produtividade verdadeira não deve ser medida pela quantidade de tarefas que realizamos, mas pela qualidade do tempo que dedicamos a nós mesmos, ao nosso bem-estar e à nossa recuperação emocional.

O confinamento nos deu a oportunidade de refletir sobre os efeitos devastadores da cultura de produtividade imposta, que até então parecia ser o único parâmetro de sucesso. As consequências dessa busca incessante pela “ocupação produtiva”, desde a ansiedade crônica até o esgotamento emocional (Burnout), o desengajamento (Boreout) e a frustração pela falta de propósito (Brownout), estão mais evidentes do que nunca. A pressão para sempre estar ocupado, para sempre fazer algo, é um mal que não podemos mais ignorar.

A Sobreposição da Produtividade nas Relações e no Lazer

“A vida não é medida pelo número de respirações, mas pelos momentos que nos tiram a respiração.” — George Carlin

A sobrecarga da produtividade não se limita às interações sociais ou ao trabalho. Até mesmo o lazer é afetado por essa cultura. Muitas pessoas se veem envolvidas em uma busca constante para maximizar cada minuto, mesmo durante os momentos de descanso. O “não fazer nada” se tornou uma ideia quase alienígena, visto com culpa e como sinônimo de falha, ou de estar perdendo tempo. Nesse cenário, o descanso não é mais visto como uma necessidade, mas como algo a ser conquistado, com métricas e objetivos. A ideia de que o lazer deve ser “útil” impede que realmente possamos desfrutar da desconexão e da recuperação emocional necessárias.

Não se engane! Com o avanço do trabalho remoto, a linha entre o pessoal e o profissional se tornou ainda mais tênue. Embora o teletrabalho tenha trazido flexibilidade para muitos, também trouxe novos desafios emocionais e comportamentais: a solidão prolongada, as distrações constantes e a sensação de subaproveitamento. A dificuldade em estabelecer limites claros entre o trabalho e o descanso intensificou a pressão para estar sempre “disponível”. Isso reflete um modelo de produtividade que desconsidera as necessidades humanas mais básicas, criando um ciclo que nos desconecta do que realmente importa.

A Influência das Redes Sociais na Produtividade

Essa lógica de produtividade e consumo incessante foi ainda mais intensificada durante o confinamento. As redes sociais foram inundadas com desafios de produtividade: cursos online, maratonas de séries, novos hobbies e uma pressão constante para estar ocupado. Em vez de promover uma verdadeira conexão, essas plataformas se tornaram um campo de estímulos contínuos, prejudicando nossa capacidade de focar no que realmente importa para o nosso bem-estar. Um estudo da Comscore apontou um aumento de 55% no consumo de informações pelas redes durante o confinamento, mostrando como esse ambiente digital, que inicialmente parecia ser uma maneira de nos conectarmos, se transformou em uma sobrecarga sensorial. Ao invés de nos permitir uma pausa, ele reforçou a ideia de que não podemos parar, de que precisamos estar sempre em movimento.

A Real Necessidade de Pausas e Reflexão

“A verdadeira liberdade é a liberdade de não fazer nada.”
— Jean-Paul Sartre

Vivemos em uma sociedade que, há décadas, nos impõe a ideia de que devemos estar sempre ativos. A pressão para estar ocupado constantemente nos leva a confundir o “não fazer nada” com inatividade improdutiva. No entanto, momentos de pausa — como assistir a uma série, ler um livro ou simplesmente contemplar a paisagem — são essenciais para nosso equilíbrio emocional e físico. São nesses momentos que nossa mente tem a oportunidade de se restaurar, processar o que vivemos e se preparar para os próximos desafios.

Na busca constante por mais produtividade, esquecemos que nossa saúde mental não é alimentada apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer. Ao permitir-nos estar no “não fazer nada”, nos damos o espaço necessário para recarregar nossas energias, criando um ciclo de renovação que é crucial para nosso bem-estar a longo prazo. Esse paradoxo – onde a inatividade se torna um motor de recuperação – revela uma das grandes lições do período pós-pandemia: o verdadeiro descanso não é sinônimo de perda de tempo, mas de um investimento no que realmente importa.

A neurociência tem nos mostrado que o descanso mental e a desconexão são cruciais para o processamento e a consolidação de informações. Estudos indicam que a atividade cognitiva diminui quando o cérebro é constantemente bombardeado com estímulos externos, e é exatamente durante o descanso que o cérebro reorganiza e processa essas informações. O que percebemos, então, é que a produtividade não é definida apenas pelo que fazemos, mas também pelo que conseguimos internalizar e refletir. Momentos de pausa, muitas vezes, são fundamentais para a criatividade e para o equilíbrio mental.

Por isso, sempre defendo a necessidade de redefinir a produtividade, que, muitas vezes, é imposta por um discurso capitalista que equaciona o valor de um indivíduo à sua capacidade de gerar resultados. Nesse modelo, nossa produtividade se torna um reflexo direto do valor que acreditamos ter, e, por consequência, somos levados a medir nossa worth (valor) pela quantidade de tarefas realizadas, ignorando aspectos fundamentais do nosso bem-estar. Esse ciclo vicioso, de falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, foi intensificado durante a pandemia, e ainda hoje persiste. No entanto, o impacto dessa pressão é particularmente destrutivo para muitas mulheres, que, além de lidarem com o desafio da produtividade no ambiente de trabalho, são frequentemente sobrecarregadas pela expectativa de serem perfeitas em todos os aspectos da vida — seja no papel de profissionais, mães, esposas ou cuidadoras.

Redefinindo a Produtividade no Novo Cenário

Precisamos urgentemente redefinir a produtividade. A visão capitalista que a vincula ao valor pessoal está profundamente enraizada, e a sensação de que nossa existência precisa ser validada pela quantidade de tarefas realizadas tem efeitos devastadores. Durante a pandemia, essa pressão foi intensificada, e as mulheres, em particular, foram muito mais sobrecarregadas pela expectativa de serem perfeitas em todos os aspectos da vida — no trabalho, em casa, nas relações pessoais. Isso gerou um desequilíbrio cognitivo-comportamental que se reflete em muitas das minhas consultas, como a de uma psicóloga que passou o confinamento sozinha e sentiu-se constantemente culpada por não ter sido capaz de fazer mais do que estudar, trabalhar e fazer atividades físicas. “Agora, vejo que fiz o melhor que pude dadas as circunstâncias”, ela compartilhou.

Esse relato é comum e revela o ciclo de culpa e insatisfação com o que conseguimos realizar. A sensação de que precisamos estar sempre ocupados, validando nossa existência por meio da produtividade constante, é uma questão estrutural da pós-modernidade. Estamos presos em um modelo que exige mais do que podemos dar, ignorando nossas necessidades básicas de descanso e reflexão.

A Oportunidade de Transformação no Novo Cenário Pós-Pandemia

Agora, com o avanço do trabalho remoto e o novo cenário pós-pandemia, temos a oportunidade de transformar profundamente a maneira como encaramos a produtividade. Como podemos aplicar as lições da pandemia para criar um novo cenário, onde a saúde mental e o equilíbrio emocional sejam prioridades? Como podemos redefinir a produtividade, reconhecendo que o valor não está na quantidade de horas trabalhadas, mas no impacto positivo que geramos em nossas vidas e nas vidas dos outros? A verdadeira produtividade não está em fazer mais, mas em fazer o que realmente importa para nosso bem-estar e para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Essa busca incessante por conexão e atividade constante tem um preço emocional. Não é por acaso que muitos sentem que, ao não participarem de tudo o que está acontecendo nas redes, estão perdendo algo importante. A solidão emocional e o esgotamento mental são apenas dois reflexos dessa desconexão com as próprias necessidades, que são muitas vezes subjugadas pelo desejo de agradar aos outros ou de se manter visível. O que precisamos entender é que a verdadeira conexão, tanto com os outros quanto conosco, passa pelo respeito aos nossos limites e pelo entendimento de que nem tudo precisa ser produzido ou compartilhado publicamente para ter valor.

Redefinindo a Produtividade

O que podemos aprender com este período? Primeiramente, é crucial que respeitemos nossas limitações e cuidemos de nossa saúde mental acima de tudo. A pressão para ser produtivo o tempo todo não só é irreal, como também é prejudicial. Estar ativo constantemente só reforça uma visão distorcida de produtividade, que na verdade é desumanizada e alienada, afastada das nossas necessidades mais profundas.

À medida que enfrentamos novas realidades, como o teletrabalho em muitos setores, é fundamental refletirmos sobre o que realmente importa. O confinamento nos ensinou que a produtividade não deve ser a única medida de valor. Às vezes, o simples ato de fazer “nada” é, na verdade, o que mais precisamos para preservar nossa saúde mental.

O Valor do “Não Fazer Nada”

Para o futuro, precisamos olhar os desafios com uma nova perspectiva. A produtividade deve ser equilibrada com momentos de descanso, reflexão e autocuidado. Ao mesmo tempo, devemos compreender que nem sempre nossos esforços para mudar comportamentos ou adotar novas práticas precisam ser grandiosos ou públicos. Muitas vezes, são pequenos ajustes, feitos ao longo do tempo, que geram um impacto positivo duradouro em nossa qualidade de vida.

A pergunta que devemos nos fazer agora, após tudo o que passamos até aqui, é: como podemos aplicar esses aprendizados de forma saudável, criando um equilíbrio entre as demandas externas e nossas necessidades internas, respeitando nossos limites e valorizando nosso bem-estar? E, mais importante, como podemos levar esse novo entendimento para as organizações, criando ambientes de trabalho que promovam não apenas a produtividade, mas também a saúde emocional e o crescimento pessoal?

O confinamento, ao nos forçar a revisar nossas atividades diárias, também nos deu uma oportunidade única de refletir sobre como a busca incessante pela produtividade afeta áreas além do trabalho. Essa cultura impacta nossa saúde mental, nossa conexão com os outros e até mesmo a forma como nos relacionamos com o tempo. No entanto, o verdadeiro problema não reside na ausência de atividades, mas na distorção da ideia de produtividade.

O que é, de fato, “produtivo”? A verdadeira produtividade não está no número de tarefas realizadas, mas na qualidade do tempo que dedicamos ao nosso bem-estar, ao descanso e às nossas relações pessoais. Quando aprendemos a respeitar nossos limites e a entender que o descanso é um investimento, começamos a cultivar uma vida mais equilibrada e saudável.

Vamos, juntos, refletir e construir um novo normal — mais equilibrado, mais humano e mais consciente das nossas necessidades mais profundas.

#marcellodesouza #marcellodesouzaoficial #coachingevoce #produtividadehumana #autocuidado #equilíbrioemocional #mudancacognitiva #desafios2025 #saudemental #produtividadeconsciente #reflexao #bemestar