AS EMPRESAS NA ERA DA EXTINÇÃO EM MASSA
“A natureza e suas importantes contribuições para as pessoas estão se deteriorando no mundo inteiro.” Essa foi a fala de abertura do resumo executivo de num importante e novo relatório da ONU. O jornal The New Times a descreveu de outra maneira na sua manchete sobre esse relatório.: “A civilização está acelerando as extinções e alterando o mundo natural numa velocidade ‘sem precedentes na história da humanidade.’”
Enquanto a primeira reação, por instinto, possa ser a de ficar em posição fetal ou a de se esconder debaixo das cobertas em sinal de defesa, vamos, antes de mais nada, recuar para perguntar e responder a algumas questões cruciais.
O que diz o relatório? Preciso deixar claro que não li todas as 1.500 páginas ainda. No entanto, o resumo para os formadores de políticas está em 40 vigorosas e deprimentes páginas. Basta ler as primeiras e você entenderá. O resumo diz que, através de uma combinação de mudanças climáticas causadas pelo homem e a quase completa ocupação do planeta por humanos, estamos destruindo habitats e espécies a uma taxa irreal (similar a eventos anteriores de extinção de asteroides, por exemplo). Além de algum aumento na produção agrícola e florestal, a maioria dos sistemas naturais que nos sustentam – como o solo rico em carbono e a saúde dos polinizadores (isto é, as abelhas) – estão degradados. E as metas atuais para a conservação não são suficientes para impedir esse desastre.
Por que isso importa? Em vez de abordar completamente a natureza da biodiversidade, vou apenas me ater a uma boa explicação e dizer que, nós humanos somos parte de uma teia da vida e tudo o que faz a economia circular vem dessa teia e de outros recursos naturais.
Atualmente estamos derrubando as paredes de sustentação de nossa própria sociedade. Sem esses insumos naturais, a economia não tem como prosperar ou sobreviver. Uma estatística chocante do relatório da ONU aponta que até mesmo a quantia de US$577 bilhões em produção anual de grãos nos Estados Unidos está em risco, como consequência da perda de polinizadores. Não temos como viver sem a existência de abelhas e insetos.
O que há de novo? Por um lado, não muita coisa. Em 1962, o livro Silent Spring, de Rachel Carson, nos alertou de que a sociedade moderna e as substâncias químicas estavam matando pássaros e outras espécies. A década seguinte foi marcada por esforços a nível mundial para criar a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES, em inglês) e a Endangered Species Act (Lei de Proteção às Espécies em Extinção, em tradução livre).
Entretanto, depois de meio século emitindo avisos importantes, poucas coisas mudaram. Primeiramente, a escala da humanidade cresceu em sua magnitude – o PIB mundial cresceu dez vezes mais desde o início da década de 1960, e acrescentou 4,3 bilhões de pessoas. Segundo, de acordo com um dos autores, esse relatório propicia a mais completa análise dos desafios relacionados à morte de espécies, ao estresse hídrico, à carência de alimentos e à mudança climática. Terceiro, tal como o que aconteceu com a mudança climática, o debate evoluiu de maneira forte e assustadora, de “aqui está o que devemos fazer para resolver esse problema” para “controle de danos“. Os cientistas afirmam ser impossível salvar tudo, e que o planeta terá cada vez menos recursos. Entretanto, podemos e devemos agir a fim de evitar um colapso total.
O que as empresas podem ou devem fazer? Esse é o ponto mais complexo. Não é útil cruzarmos os braços e desistirmos. Falando de forma jocosa, poderíamos simplesmente adquirir rapidamente todos os recursos existentes antes que eles acabem. Infelizmente, é mais ou menos o que está acontecendo, por exemplo, no Ártico. Portanto, sob uma visão mais séria, está na hora de mudarmos radicalmente a maneira como vivemos e gerenciamos nossos negócios.
Para simplificar ainda mais, a destruição dos habitats origina-se:
- da nossa posse de terras para morarmos, por meio de um alastramento urbano implacável.
- da mudança climática que destrói áreas permanentemente (veja a morte iminente dos corais) ou mudanças onde as espécies podem se desenvolver.
- da degradação da terra e do mar por conta da economia material.
- da destruição de florestas virgens para o desenvolvimento da agricultura e reflorestamento.
Considerando esses tópicos, aqui estão alguns caminhos a considerar.
Entenda a pegada ecológica da biodiversidade. Este é um exercício importante que torna a pegada ecológica um tanto mais complexa. O padrão mais confiável e um ótimo ponto de partida para este assunto é o Global Footprint Network (bem como a Project Drawdown para avaliar quais seriam as melhores ações para ajudar o clima e o planeta). Como uma métrica de uma análise detalhada da sua pegada, sugiro mapear seu negócio e sua cadeia de suprimentos para entender seus principais impactos terrestres e marinhos, incluindo mineração e metais, exploração de petróleo e gás, produção de carvão, pesca, criação de gado, e produtos agrícolas como soja e óleo de palma, que promovem a destruição de florestas virgens. Uma vez que você tenha uma noção básica de onde estão seus impactos, você pode priorizar seus esforços e, por exemplo, procurar fornecedores de insumos de alto impacto com melhores práticas em relação ao uso da terra, sua recuperação e proteção.
Explore modelos radicais de negócios. Eu consigo ver três elementos daquilo que chamo de “o grande pivô” da mentalidade humana: dissociação, circularidade e modelos regenerativos. A dissociação significa continuar a sustentar cada vez mais pessoas, mas dissociando o aumento da produção das necessidades materiais (energia, água e matérias).
Relatórios como este mostram que precisamos avançar com mais rapidez e ir além das metas importantes da circularidade (fechando o ciclo dos materiais para encontrar o reuso e reduzir drasticamente o uso do material virgem) e da regeneração por meio das empresas. Como exemplos disso, temos a “agricultura regenerativa” e “pastagem holística“, que utilizam a agricultura e o gado para melhorar a qualidade do solo e sequestrar o carbono da atmosfera.
Apoie a políticas agressivas e às iniciativas para a proteção dos habitats. Enquanto alguns seguimentos de negócio e líderes querem abrir espaços para a exploração, nós deveríamos estar a favor de uma proteção agressiva de certas áreas do planeta e abrir mais parques nacionais. A ciência sobre áreas em perigo é forte, de modo que sabemos onde conseguir os maiores retornos para o investimento em salvar espécies. Os líderes devem fazer lobby para a proteção no mundo todo; apoiar políticas que precificam recursos naturais e eliminam subsídios para o combustível fóssil e para a agricultura industrial não-sustentável; endossar a ajuda internacional para compensar os países em desenvolvimento com menos recursos financeiros mas com abundante recursos naturais (para que eles não os liquidem); e apoiar, – publica e financeiramente – iniciativas como a Last Wild Places, pela National Geographic, e o Half Earth Project do E .O. Wilson para proteger metade das terras e dos oceanos.
Apoie os líderes que abraçam a causa. Dar apoio somente às políticas não é o suficiente. Jamais houve um tempo pior na história da humanidade quando o pêndulo oscila entre o isolacionismo e o nacionalismo. A extinção e a mudança climática são os maiores problemas mundiais que estamos enfrentando, os quais exigem um alto nível de cooperativismo e confiança. Com países tão diferentes como os Estados Unidos, Brasil, Hungria e a Polônia apoiando líderes nacionalistas, estamos nos distanciando de ações a nível mundial. Para ser franco, aproveitar-se de alguns cortes de juros de curto prazo não é um motivo razoável para apoiar os líderes que se recusam a entender e a dar prioridade aos assuntos globais emergenciais.
Converse com os consumidores e stakeholders. Todos nós somos responsáveis pelas escolhas que fazemos. Por exemplo, podemos comer menos carne industrializada e deixar de consumir produtos que contenham óleo de palma não-sustentável. No entanto, convenhamos que o que precisa acontecer com a biodiversidade e com o clima, está além de uma escolha pessoal. Precisamos da liderança dos produtores e dos governantes. As empresas, entretanto, têm a capacidade de ajudar os consumidores a entenderem as escolhas que fazem e oferecer alternativas melhores. Poucas empresas discutem abertamente os assuntos sobre biodiversidade em suas embalagens ou via marketing, portanto é uma oportunidade real para uma nova liderança nessa área.
Enfrentar o modelo econômico de desenvolvimento a qualquer custo. Esta deve ser a questão mais complicada. Basicamente, estamos esgotando os recursos do planeta. Agora que estamos no modo emergência, deveríamos desafiar os preceitos da teoria da economia moderna. Como é possível continuar a buscar um crescimento definido apenas por incessantes aumentos no resultado total do Produto Interno Bruto (PIB) se subestimamos a própria estrutura de apoio desse crescimento? Não tenho uma resposta pronta, uma vez que o crescimento econômico também promove a melhoria na qualidade de vida (se todos os ganhos forem amplamente compartilhados e não dirigidos aos que estão no topo da pirâmide). No entanto, devemos enfrentar a dura realidade de que nosso atual modelo para medir o sucesso na economia e nas empresas, depende da nossa competência para desenvolver e prosperar.
Greta Thunberg, a adolescente sueca de 16 anos que iniciou um movimento mundial de jovens, falou aos líderes mundiais sobre essa questão do crescimento na Conferência do Clima da ONU na Polônia em dezembro: “Vocês só falam do eterno crescimento da economia verde porque estão com medo de se tornar impopular. Vocês só falam em seguir em frente com as mesmas ideias ruins que nos levaram a essa confusão, mesmo quando a única coisa sensata a fazer é puxar o freio de mão. Não me importo em ser popular. Eu me importo com o clima e a vida no planeta.”
As notícias sobre a situação do planeta não são nada boas. As evidências se acumulam e estamos sem tempo para fingir que os negócios, como sempre, continuarão a prosperar. Sempre acreditei nas empresas e na competência delas em lidar com problemas de grande magnitude. No entanto, agora precisamos de coragem para desafiar o status quo. Que oportunidade fantástica para os verdadeiros líderes se apresentarem.
Andrew Winston é autor do seu mais recente livro The Big Pivot. Winston é também coautor do best-seller Green to Gold e autor do livro Green Recovery. Ele faz recomendações às empresas líderes mundiais de como lidar com e obter benefícios provenientes dos desafios sociais e ambientais.
Fonte: <https://hbrbr.uol.com.br/as-empresas-na-era-da-extincao-em-massa/>