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A CONSTRUÇÃO DE UMA GLOBALIZAÇÃO MAIS ABERTA

Estamos em um momento crucial de nossa história econômica. Trinta e cinco anos de crescente desigualdade econômica e estagnação salarial permitiram que muito poucos norte-americanos se beneficiassem do crescimento econômico. Embora o PIB per capita tenha crescido muito, a renda média das famílias deixou a desejar. Esse histórico alimentou o descontentamento econômico e a busca por soluções fáceis. A resposta do governo Trump foi, em grande medida, culpar nossos parceiros comerciais e os imigrantes, erguendo barreiras e muros.

No entanto, acredito que as políticas econômicas nacionalistas sejam perigosas tanto para a paz quanto para a prosperidade. Barreiras comerciais e restrições à imigração criam grandes danos colaterais. Tais “remédios” podem ser piores que a doença.

Se o nacionalismo econômico não é a resposta, então qual é a solução?

Em meu livro, Open: The Progressive Case for Free Trade, Immigration, and Global Capital, defendo a tese de que precisamos de melhores políticas para apoiar os trabalhadores e as comunidades, além de uma verdadeira reforma tributária que garanta que os ganhos do crescimento econômico sejam mais amplamente distribuídos. Também precisamos modernizar o sistema tributário para atender à nossa economia global tecnologicamente sofisticada.

Além desses passos, precisamos repensar a parceria da sociedade com a comunidade empresarial. Nosso objetivo deve ser o de equilibrar as necessidades das empresas e da sociedade, reconhecendo sua interdependência mútua. O atual declínio da confiança no setor comercial é, em grande parte, um sintoma de seu papel em resultados econômicos decepcionantes, como a estagnação salarial e a desigualdade de renda. Naturalmente, boa parte dos líderes empresariais tem consciência de que barreiras comerciais e restrições à imigração não são boas soluções políticas. Como, então, as empresas podem contribuir para uma economia mais saudável, onde os interesses das empresas coincidem com os da sociedade em geral?

Eu vejo cinco áreas de foco para melhorar a parceria entre empresas e sociedade. Como um todo, esse pacote deve conseguir o apoio de um número considerável de empresas. Se as empresas norte-americanas quiserem manter sua legitimidade, precisam ter papel de destaque na introdução dessas reformas.

Defender uma economia aberta. As empresas dependem de cadeias de fornecimento mundiais para serem competitivas na economia global, e os mercados de capital internacionais representam uma importante fonte de financiamento. Uma política de imigração acolhedora fornece tanto fontes vitais de talento empreendedor quanto habilidades que são escassas na força de trabalho norte-americana. É por isso que muitas empresas têm rejeitado ruidosamente tanto a retórica quanto as políticas protecionistas.

No entanto, os líderes empresariais precisam se empenhar mais para vincular seus argumentos ao bem-estar público. Uma economia aberta também é, essencialmente, do interesse da maioria dos trabalhadores. As tarifas introduzem novas fontes de choque no mercado de trabalho; quando os preços do aço sobem por causa de uma tarifa, algum trabalhador de uma empresa norte-americana, que utiliza aço como insumo, pode perder o emprego. Quando os parceiros comerciais retaliam por conta da imposição de tarifas, os fazendeiros norte-americanos saem prejudicados. Quanto aos consumidores, as tarifas são taxas de consumo regressivas — elas encarecem os produtos, o que diminui o poder de compra dos trabalhadores. Por fim, fluxos de imigração reduzidos significam menos contratações em novas empresas, menor inovação e crescimento para os Estados Unidos, e um maior ônus demográfico devido ao envelhecimento da população. Essa é uma reflexão que as empresas precisam fazer.

Aceitar regulamentações justas. As regulamentações são importantes para a garantia da saúde, da segurança e da proteção ambiental. Contudo, elas também devem ser constantemente aperfeiçoadas e aprimoradas para atender às necessidades da sociedade, como foi o objetivo de iniciativas passadas, como a força-tarefa Reinventing Government, criada no governo de Bill Clinton. Em certos países, os impostos verdes podem substituir as regulamentações. Por exemplo, um imposto sobre a emissão de carbono incentiva tanto a preservação quanto a inovação em fontes alternativas de energia, ao mesmo tempo em que fornece às empresas indicadores de preços de fácil entendimento e resposta. A arrecadação dessa fonte permite que as alíquotas de impostos sejam reduzidas em outras partes do sistema. As empresas continuarão a fazer lobby e a fornecer informações sobre como as regulamentações afetam seu setor. No entanto, quando  atacam a regulamentação em geral, ou exageram nos danos que essas normas causam, prejudicam sua reputação como uma parceira produtiva na sociedade.

Pagar uma cota justa de impostos. As reduções de impostos para empresas na recente lei fiscal de 2017 (conhecida como Lei de Isenção Fiscal e Empregos) foram grandes demais para serem economicamente viáveis. Tanto os Republicanos quanto os Democratas haviam sugerido anteriormente reformas mais responsáveis e neutras no que diz respeito à arrecadação. No entanto, dado o novo piso estabelecido pela lei de 2017, os impostos sobre a comunidade empresarial deverão aumentar. Como ponto de partida, eu sugeriria a revogação da dedução do repasse de rendimentos (que distorce artificialmente os investimentos em todos os setores) e o fortalecimento das nossas leis tributárias internacionais (que favorecem tanto os lucros quanto os investimentos em paraísos fiscais em relação aos Estados Unidos). Fechando brechas, a arrecadação pode aumentar sem que se recorra a taxas excessivamente altas.

Também sugiro maior transparência sobre a tributação e, em particular, um relatório tributário aberto, que exija das empresas a divulgação dos agregados básicos (faturamento, emprego, lucro e impostos pagos) em todos os países e estados em que operam. As empresas relutam em compartilhar essas informações, em alguns casos por possuírem uma fatia vergonhosamente grande do lucro alocado em paraísos fiscais. É exatamente por esse motivo que tal divulgação é importante; fornecer aos investidores, consumidores e trabalhadores informações sobre as práticas tributárias da empresa funciona como um estímulo favorável ao mercado para que consideremos os pagamentos de impostos uma responsabilidade social, e não apenas um custo que deve ser impiedosamente minimizado. Relatórios fiscais transparentes seriam disponibilizados anualmente para qualquer parte interessada, divulgados em um site do governo.

Fornecer relatórios de trabalho transparentes. Semelhante ao relatório que propus para os impostos, um relatório de trabalho transparente exigiria que as empresas divulgassem informações sobre estrutura de salários e representação trabalhista. Poderiam ser incluídas informações sobre remuneração de executivos, distribuição da remuneração em toda a empresa e métodos de inclusão de mão-de-obra, como a participação acionária de funcionários ou a representação de funcionários em conselhos. (Algumas medidas nesse sentido, como a divulgação do coeficiente salarial colaborador–CEO, eram uma exigência da Lei Dodd-Frank). Novamente, esse é um incentivo favorável ao mercado que daria às empresas “proteção” à sua reputação quando quisessem melhorar a vida de seus colaboradores, já que consumidores, investidores e funcionários em potencial prestariam atenção aos relatórios. Embora as empresas possam resistir a essas medidas de transparência, certamente as prefeririam à adoção de regulamentações mais intrusivas que limitariam diretamente os salários de executivos ou restringiriam suas decisões de contratação e demissão. (É claro que, em algumas áreas, são necessárias mudanças na legislação trabalhista, a fim de proporcionar aos funcionários horas de trabalho mais previsíveis e a adaptação a mudanças como a “economia gig”).

Repensar as leis antitruste. Há muitas indicações de crescente concentração de empresas em todos os setores. O poder de mercado das corporações está aumentando, e o setor corporativo aumentou sua participação na economia total em cerca de 30%. As leis antitruste se concentram nos efeitos do poder de mercado para os consumidores, mas também devem atentar para como o poder de mercado afeta o mercado de trabalho e a inovação. Proteções como o Consumer Finance Protection Bureau (o órgão norte-americano de defesa ao consumidor) devem ser expandidas, não enfraquecidas. As empresas podem desempenhar um papel nessas reformas; as pequenas e médias empresas devem participar da conversa em torno do crescente poder de mercado e da concentração do setor.

Como um pacote, essas cinco ideias dão equilíbrio entre as necessidades da sociedade e as das empresas. Reconheço que muitas dessas ideias serão combatidas com unhas e dentes por integrantes da comunidade empresarial. No entanto, os negócios se beneficiam de uma economia aberta, acesso global ao mercado, mão-de-obra produtiva, consumidores prósperos, crescimento econômico inclusivo e regulamentações e impostos claros e justos. Em contrapartida, a sociedade se beneficia de menor elisão fiscal (e mais impostos de algumas empresas), maior transparência tributária e trabalhista, maior apoio à mão-de-obra, regulamentações necessários e leis antitruste robustas. Se as empresas norte-americanas querem evitar uma guinada em direção a políticas mais prejudiciais, como o protecionismo e a regulamentação excessiva, elas precisam ser parceiras capazes de aceitar concessões.

Por fim, é importante reconhecer que os interesses da sociedade e das empresas geralmente coincidem. Uma economia aberta com uma classe média economicamente saudável, e instituições fortes e estáveis, pode beneficiar a todos.

Este artigo foi adaptado de Open: The Progressive Case for Free Trade, Immigration and Global Capital.

Kimberly Clausing é professora de Economia da cátedra Thormund A. Miller e Walter Mintz, no Reed College.

Fonte: <https://hbrbr.uol.com.br/a-construcao-de-uma-globalizacao-mais-aberta/>