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LIVRE E INFELIZ

As mulheres americanas são mais saudáveis, mais ricas e mais bem educadas do que há 30 anos. São mais suscetíveis a trabalhar fora de casa, e a ganhar salários iguais aos homens quando o fazem. Podem deixar casamentos abusivos e processar empregadores sexistas. Elas aproveitam o controle sem precedentes de sua própria fertilidade. Em algumas áreas, taxas de graduação, expectativa de vida e mesmo segurança no trabalho , homens parecem cada vez mais com o segundo sexo.
Mas todos os feitos das feministas podem ter entregado as mulheres a uma grande infelicidade. Nos anos 60, quando Betty Friedan diagnosticou suas companheiras esposas e filhas como vítimas do problema sem nome, mulheres americanas se declararam mais feliz que os homens, no geral. Hoje, essa diferença entre os sexos se reverteu. A felicidade dos homens aumentou um pouco e a da mulher decaiu. Nos EUA pós-feminismo, os homens são mais felizes que as mulheres.
Esse é The Paradoxo of Declining Female Happiness (O paradoxo do declínio da felicidade feminina, em tradução livre), assunto de um provocativo ensaio dos economistas Betsey Stevenson e Justin Wolfers. Ele é fascinante não só por causa do que mostra, mas porque os autores deliberadamente evitaram tratar de explicações fáceis para seus dados.
O declínio no número de famílias com pais unidos, por exemplo, quase sempre diminui a satisfação na vida das mulheres que criam seus filhos sozinhas. Mas isso não pode ser a única explicação, pois a tendência de uma maior insatisfação entre as mulheres cruza linhas de classe social e raça. Uma mulher hispânica que trabalha tem muito mais probabilidade de ser mãe solteira do que uma mulher branca e rica, ainda assim a lacuna entre a felicidade dos homens e mulheres do East Hampton e do East L.A. (área povoada por maioria hispânica)
São parecidas.
Então, de novo, os números da felicidade estão se inclinando para baixo em relação a muitas mulheres sobrecarregadas de trabalho ¿ o famoso segundo turno, no qual as mulheres continuam a fazer maior parte dos trabalhos domésticos mesmo que elas recebam mais e mais responsabilidades no trabalho. Certamente é possível ¿ mas como Wolfers e Stevenson apontam, na verdade, pesquisas recentes mostram padrões similares de carga de trabalho para homens e mulheres no geral.
Ou talvez o problema seja político ¿ talvez as mulheres prefiram a igualdade de direitos, sociedades de baixo risco, e a era de capitalismo caubói de Reagan teve um efeito indutor de ansiedade nas mulheres americanas. Mas mesmo na ingênua, educada e igualitária sociedade da União Europeia, a felicidade feminina tem diminuído em relação à dos homens durante as últimas três décadas.
Toda essa ambiguidade dá a si mesmo amplas leituras. Uma feminista fervorosa e uma tradicionalista de papel limitada em seu gênero podem, igual e provavelmente, encontrar alguma prova de suas premissas nas linhas da cuidadosa prosa de Wolfers e Stevenson.
A feminista verá evidências de uma revolução interrompida, na qual o crescimento das expectativas está batendo com força em tetos de vidro, gerando ressentimentos justificados. A tradicionalista verá evidências de que toda a revolução foi de maneira distorcida, na qual as mulheres foram empurradas para vidas que correm contra suas necessidades biológicas, e os homens foram liberados para se envolver com a irresponsabilidade imunda.
Há evidências que se encaixam em cada uma dessas narrativas. Mas há também espaço para ambas.
Os feministas e tradicionalistas deveriam estar dispostos a concordar, por exemplo, que as estruturas da sociedade americana não oferecem concessões o suficiente para desafios particulares da maternidade. Podemos brigar para sempre sobre as escolhas que as mães têm de fazer, mas a dificuldade com o trabalho de malabarista dos pais continua existindo (é só perguntar a Sarah e Todd Palin). E há todos os tipos de formas ¿ desde um Código Fiscal mais amigável às famílias até um sistema educacional mais favorável ¿ por meio das quais as políticas públicas podem tornar esse malabarismo mais fácil.
Os conservadores e os liberais não concordarão com os meios, mas eles devem concordar com o fim: uma nação onde seja mais fácil equilibrar o trabalho e a educação dos filhos, apesar de achar que o equilíbrio deveria ser dispensado.
Eles também deveriam estar dispostos em concordar que o avanço estável da existência de mães solteiras ameaça os interesses e felicidade das mulheres. Aqui as opções de políticas públicas são limitadas, algum tipo de estigma social é uma necessidade. Mas um novo modelo não deveria (e não poderia) parecer como velho sexismo. Não há uma razão certa pela qual as feministas e os conservadores culturais não possam unir forças ¿ da mesma forma que tiveram uma causa comum durante as guerras pornográficas dos anos 80 ¿ atrás de uma revolução social que afasta pais de bebês em série e colecionadores de esposas como troféus tão a fundo quanto a mulher abandonada da era patriarcal.
Nenhuma razão a não ser o fato de que os EUA contemporâneo não parecem estar disposto a aceitar o estigma sexual. Simplesmente não temos estômago para banir permanentemente a irresponsabilidade sexual ¿ seja uma gravidez de iniciante, um magnata divorciado três vezes, ou mesmo um político que contrata prostitutas.
Neste sentido, o nosso é um país melhor, mais gentil e mais complacente do que era há 40 anos. Mas para metade do público, também é um país infeliz.


Por ROSS DOUTHAT


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Fonte: Último Segundo – iG @ https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/nyt/comentario-livre-e-infeliz/n1237629502575.html