POR QUE AS EMPRESAS PRECISAM PENSAR COMO SE FOSSEM EMPRESAS DO ENTRETENIMENTO
“Nós competimos (e perdemos para) com o Fortnite mais do que com a HBO”. Esta avaliação factual da Netflix, a maior empresa de streaming do mundo, provocou uma agitação entre comentaristas e analistas de mídia no início deste ano. Mas a lógica é essa: A Netflix possui 149 milhões de assinaturas, em comparação com 250 milhões de usuários da plataforma de jogos Battle Royale da Fortnite. O tempo passado nas mídias tradicionais está em declínio, e está cada vez mais difícil ganhar e manter a atenção do consumidor. O conteúdo precisa ser cada vez mais sedutor – como o próprio sucesso da Netflix, Black Mirror: Bandersnatch, que demonstrou o forte apetite do consumidor para formas de conteúdo mais atraentes.
A Netflix e outras empresas de mídia não estão sozinhas na previsão do futuro do consumo na convergência de conteúdo, jogos e serviços interativos. De fato, vamos mais além ao afirmar que todas as empresas no futuro precisarão pensar e agir como um artista.
Considere, por exemplo, o que a Starbucks tem feito em Xangai. Ela fez uma parceria com a Alibaba para criar “um parque de diversões do café” completo, com efeitos de realidade aumentada onde os consumidores podem aprender mais sobre o processo de torra, além de exibir menus virtuais quando o cliente aponta seu telefone celular para ícones da loja.
Muitas outras empresas estão seduzindo clientes com experiências intensificadas. A gigante dos cosméticos L’Oréal criou um aplicativo que permite aos clientes experimentar até 64 “looks de beleza” em seus telefones. Os registros de patentes do Walmart destacam os planos para lojas virtuais, onde os consumidores podem fazer compras de casa usando luvas inteligentes e fones de ouvido de realidade virtual. Além disso, os estúdios de conteúdo não são mais as fortalezas dos gigantes da mídia, e estão cada vez mais sendo procurados por marcas de consumo como Red Bull, Coca-Cola, L’Oréal e Unilever.
A próxima grande convergência de conteúdo
Apesar dos inúmeros avanços tecnológicos neste último século, o conteúdo testemunhou somente uma convergência real, com o lançamento do “The Jazz Singer” em 1927, o primeiro filme falado do mundo. Até então, o conteúdo – texto, som e imagens – sempre havia sido apresentado de forma separada e não era “ao vivo”. Inicialmente ridicularizados por alguns diretores de estúdios, considerando-os apenas como um truque – “a fala não pertence aos filmes”, segundo declaração de um importante dirigente de estúdio da época – os filmes falados revolucionaram a indústria e abriram o caminho para a transmissão e a internet.
A próxima grande convergência de conteúdo provará ser ainda mais revolucionária, reunindo várias tecnologias de ponta como realidade virtual e aumentada, IA, internet das coisas e tecnologias hápticas (que simulam toque e movimento). Ela será mais multissensorial e interativa.
Já podemos observar quatro formas como essa convergência mudará a natureza do consumo e como os consumidores tomarão decisões.
Estar no local: Nada compete com o rugido da multidão, a emoção da ação ao vivo num evento esportivo. No entanto, num mundo físico de escassez e distâncias, outra solução está na virtualização. Objetos inteligentes e hápticos agora fazem da sensação de “estar no local” uma realidade para muitos que de outra forma não poderiam assistir a tais espetáculos.
Por exemplo, a Livelike’s tecnologia interativa de startup coloca os fãs de futebol no coração da ação, fazendo com que os torcedores acompanhem as jogadas de vários ângulos e acessem as informações em tempo real sobre os jogadores e jogadas anteriores. De forma semelhante, o Venues Oculus possibilitou que os fãs de futebol que estavam longe da Rússia assistissem a jogos selecionados quando o país sediou a copa do mundo de 2018. E a tecnologia de corridas interativas, Virtually Live, permite a fãs de Fórmula E competir em uma corrida virtual contra seus pilotos favoritos.
Formação de comunidades virtuais: Muitas “atividades de consumo” – esportes, viagens, recreação, gastronomia – são mais bem aproveitadas com amigos, parentes ou pessoas que compartilham um interesse comum. Longe de incentivar atividades solitárias, as tecnologias imersivas cada vez mais combinarão elementos de interação comunitária e em tempo real.
A Peloton, uma máquina de ciclismo virtual, é pioneira neste setor. Os fãs do ciclismo usam uma bike com exercício avançado para receber aulas em casa por streaming. Os 15 instrutores da Peloton, conforme anunciam os rostos da marca, ajudam a desenvolver esse senso de comunidade. Robin Arzon, Instrutor-chefe da empresa, possui mais de 200 mil seguidores no Instagram.
Descoberta: Atualmente, a busca por produtos e compra por comparação ainda é amplamente considerada uma atividade que consome tempo. Entretanto, a próxima grande convergência de conteúdo possibilitará muitas outras formas estimulantes para que os consumidores possam explorar novos produtos, serviços e locais.
O aplicativo da Ikea, Place, utiliza a câmera do seu smartphone para inserir móveis virtuais em uma sala virtual para que você visualize como ficarão as possíveis peças na sua própria casa antes de comprá-las. Operadoras de turismo podem oferecer tours virtuais de diferentes locais para pessoas que planejam suas férias. Os turistas que visitam as agências da Thomas Cook podem fazem um tour virtual de 5 minutos no Egito, Alemanha, Nova York e outros destinos antes de embarcar. As promessas de evolução nas tecnologias hápticas e olfativas – a capacidade de sentir, transmitir e receber essências e aromas via mídia digital – poderão em breve transformar a descoberta do consumidor em setores como moda, perfume, alimentação e gastronomia.
Imaginação e narrativa: Se uma imagem vale mais que mil palavras, então, quanto mais deve valer a combinação de visão, som, toque e a agência responsável pela virtualização?
No setor de publicação de livros, a literatura infantil está sendo unida à tecnologia de realidade aumentada, transformando cada página em uma cena interativa. Uma recém-chegada neste setor foi a BooksARAlive. O texto tradicional está sendo misturado ao conteúdo digital, usando-se um smartphone, tablet ou console de jogos. Os aplicativos podem tocar vídeos, criar modelos em 3-D para conteúdo e permitir a interação com o texto.
Mesmo empresas fora dos setores cultural e de mídia estão buscando a narração virtual para mudar a maneira como os consumidores interagem com seus produtos. A Allianz, uma empresa de seguro, construiu uma casa virtual na qual os consumidores podem explorar de forma interativa para verem os possíveis perigos. Isso pode incluir, por exemplo, uma torradeira defeituosa ou um aquário com rachaduras.
Aprender com o mundo do entretenimento
Mudar de um mundo de fazer coisas e serviços para um mundo definido pelo entretenimento e estimulação não será nada fácil. Para ter sucesso neste mundo, as empresas precisarão pensar muito mais como um artista do que como um produtor ou varejista. O que devem ter em mente?
Tenha o melhor material: Grande parte dos cantores, comediantes e atores de sucesso sabe que a chave para o sucesso é obter as melhores músicas, material e papeis. Da mesma forma, os negócios precisam obter as melhores parcerias – com empresas de mídia, produção e design – para criar as experiências imersivas que os consumidores exigirão.
Faça com que as pessoas falem de você: O entretenimento de sucesso gera notícias – faz com que as pessoas fiquem animadas com o que estar por vir. De forma semelhante, as empresas terão que combinar elementos de narrativa, feedback em tempo real e experiências sensoriais para capturar a atenção dos consumidores em ambientes imersivos.
Conheça seu público: Os artistas populares geralmente obtêm sucesso porque sabem exatamente do que seu público gosta, e lhes oferece isso. Em muitos mercados, os consumidores provavelmente vão se tornar divididos em usuários ativos e imersivos de conteúdo e aqueles que estão contentes em permanecer espectadores passivos. Seu público vai querer apenas assistir ao filme ou vai querer fazer parte dele? Qual preço e embalagem serão necessários para esse grupo?
Cuidado com a linguagem: Uma movimentação erroneamente pensada ou escândalo pode ser fatal para a carreira de um artista. De forma semelhante, os consumidores cada vez mais exigem comportamento ético das empresas que usam. As empresas que operam serviços imersivos precisarão navegar por entre um novo emaranhado de questões éticas e questões relacionadas à privacidade, ao vício e ao crime virtual. O envolvimento precoce com os reguladores e a adesão aos princípios de imersão responsável serão essenciais.
O entretenimento pode ser mais poderoso que a eficiência fria. Numa era definida por experiências imersivas e interativas, como sua empresa vencerá a multidão?
Mark Purdy é diretor administrativo de pesquisa econômica do Accenture Institute for High Performance.
Gene Reznik é diretor estratégico da Accenture.
Fonte: <https://hbrbr.uol.com.br/por-que-as-empresas-precisam-pensar-como-se-fossem-empresas-do-entretenimento/>