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A HARMONIA EM NOSSAS RELAÇÕES

“Aqueles que escreveram sobre as Paixões e a conduta da vida humana parecem, na sua maioria, tratar não de coisas naturais que decorrem das leis comuns da Natureza, mas de coisas que estão fora da Natureza. Na verdade, dir-se-ia que concebem o homem na Natureza como um império dentro de um império. Supõem, com efeito, que o homem perturba a ordem da Natureza mais que a segue, que tem sobre suas próprias ações um poder absoluto e tira apenas dele mesmo sua determinação. Procuram, pois, a causa da impotência e da inconstância humanas não na potência comum da Natureza, mas em não sei qual vício da natureza humana e, por essa razão, choram por causa dela, riem, desprezam-na ou, as mais das vezes, a detestam; quem sabe mais eloquentemente ou mais subtilmente censurar a impotência da alma humana é tido por divino. ” Baruch Espinoza

Como é possível ter harmonia em nossas relações em um mundo cada vez mais superficial, imediatista e estressado? Esta é uma das questões mais crescentes que venho trabalhando com meus clientes seja em consultório ou nos treinamentos de Self Coaching que ministro. Por isto quero compartilhar com vocês a reflexão sobre este tema.

Fato é que compulsivamente a necessidade de sobrevivermos em um mundo tão ansioso nos remete a angustia de nos tornarmos carentes de nós mesmos. Estamos perdendo nossa autonomia de sermos quem somos. Claramente isto reflete em uma sociedade cada vez mais superficial, doente, individualista e materialista. Com isto, a opressão pela ansiedade e pela força do imediatismo impedem muitas vezes de seguirmos com nossas vidas sem sacrificar nossas relações, tornando-as mais apáticas, frágeis, insensatas, impróprias, incompreensíveis e outras vezes, dependentes e egocêntricas.

Passamos por um período social aonde a moral se tornou liquida, como disse Zygmund Bauman. Estamos vivenciando um período social aonde muitas das pessoas tiveram que renunciar as próprias responsabilidades, encontrando no outro a razão do que não é, volvendo meios para condições vivenciais serem deturpadas dentro dos aspectos de ambiente social que estamos submetidos e que afloram o desespero, fazendo parte da sobrevivência angustiante na condição volátil existencial. Isto faz remeter-me a uma intrigante reflexão que Nietzsche nos deixa em Gaia: “E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nada de novo, cada dor e cada prazer (…) há de retornar (…). Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino! ’”. Forçando aqui cada um de nós procurarmos perceber a vida que estamos escolhendo em ter e fazer questionar-nos sobre o rumo que damos a ela e como tomamos nossas decisões. Para termos discernimento de sabermos diferenciar os substantivos centrais dos adjetivos secundários, daquilo que é superficial e do estrutural.

Se não houver um equilíbrio latente emocional em nossas relações, corremos o risco de nos transformar em sujeitos líquidos. Em outras palavras, na falta de Ser quem Somos, passamos a construir nossos próprios demônios, nas inúmeras identidades que se manifestam em momentos diferentes, que permeiam em sua forma fluída, podendo tomar a condição de acordo com as determinações das forças dos meios sociais, conforme os momentos específicos determinarem, sendo o outro e não mais nós mesmos. Negligenciando a situação, fugindo da própria responsabilidade, passando a encontrar razões e culpados para justificar que a vida é assim e que não podemos mais mudar nosso destino. Complacente a ideia de que os valores, normas e regras sobre nós impostos devem ser aceitas passivamente sem nunca refletir sobre elas. Enganando a nós mesmos e pensando ilusoriamente que somos donos dos nossos atos. Como consequência, isso reflete intrinsicamente no desaparecimento do nosso próprio caráter, nos tornando vazios e depende dos outros.

Somos seres sociais, não faz parte de nossa concepção com ser humano viver no anonimato ou isolamento. Diferente de outros animais, o ser humano precisa do afeto de outro ser humano para sobreviver desde seu nascimento. Nossos instintos de longe não são suficientes para garantir nossa sobrevivência no mundo de forma solitária. Por isto, as aproximações aos instantes únicos de alegria estão diretamente relacionadas a qualidade e ao equilíbrio de nossas relações com mundo, sendo essencial para o nosso bem-estar físico, psíquico, social e espiritual. Entretanto, diante a um mundo cada vez mais estressante nos faz muitas vezes perder este equilíbrio, não sabendo mais diferenciar a nossa autonomia e dependência ao “outro”, influenciando impiedosamente na habilidade de termos um relacionamento saudável e mutualmente satisfatório. Implicando nos afetos pela vida, continuidade, felicidade e em nosso desenvolvimento humano.

O que são os afetos? Podemos resumir como Afeto o que sentimos em relação temporal de transformação em nosso encontro com o mundo, ou seja, é aquilo que sentimos nas nossas relações com a vida perante a transformação ininterrupta que ela produz sobre nós. Sendo, portanto, subjetiva e sua tradução está em sensações que dá sentido do efeito objetivo das relações, agindo como agente modificador do comportamento que influência diretamente na forma como pensamos sobre algo. Que fique claro então que tudo que sentimos nada mais é do que Afeto, sendo tradução dos efeitos que o mundo produz sobre nós. Todas as sensações é, então, resultado de nosso encontro com o mundo.

De um lado existem aquelas pessoas que estão em constante luta para minimizar todas as possibilidades que possam levar de encontro em depender de alguém para ser livre, vivendo em uma incessante luta consigo mesmo, acreditando que o egotismo represente a segurança de sua individualidade, mesmo sem perceber que muito vezes isto pode corresponder a própria vida solitária, amarga, triste e desiludida. Do outro lado por sua vez, existem pessoas que não conseguem depender de si mesmo, acabam não alcançando mais a própria autonomia para viver, depende de outro para ser feliz, para se sentir bem, para se sentir amado, para tomar suas próprias decisões. Todos os extremos na vida quase nunca representam o encontro do bem-estar para viver.

Encontrar o equilíbrio na vida muitas vezes nos ajuda a conciliar nossas escolhas com nossos desejos. Não poderia ser diferente quanto aos Afetos. Compreender a Autonomia Afetiva pode ajudar a encontrar este equilíbrio, que acima de tudo representa a alegria de estar bem conosco mesmo. Tornando a vida muito mais harmoniosa e feliz!

Seu inverso, ou seja, o desequilíbrio em nossas relações é responsável por um dos mais sérios transtornos emocionais, ele pode gerar aquilo que conhecemos como Dependência Afetiva. Para aprofundarmos sobre o tema, quero começar com o pensamento de um dos maiores filósofos de todos os tempos, Baruch Espinoza. Espinoza diz que todo ser humano afeta e é afetado por outros seres humanos, sendo a vida um jogo intenso dos encontros dos Afetos. Estes encontros são o que produz em nós os bons e os maus momentos em nossa relação da vida com o mundo. Encontros que podem alegrar, nos proporcionar potência, energia vital, para seguirmos adiante na vida. Quando o encontro afetivo nos diminui ele nos torna passivos, nos entristece, tira a ação e a potência e a energia de viver. A Alegria para Espinoza é a representação maior dos Afetos, é a tradução máxima da vida. Quando ganhamos vida nos alegramos e quando não nos alegramos, perdemos vida e então nos entristecemos.

Indo um pouco mais além desta reflexão lembro aqui das palavras do extraordinário filosofo Sartre que disse: “A existência precede a essência”. O “existencialismo humanista” de Jean-Paul Sartre nos contempla com a ideia de que o ser humano por si simplesmente existe, partindo da premissa de que a definição do SER é parte constituinte do que ele fez a si mesmo. Primeiro vem aquilo que é real, no presente, no agora e então depois vem o ideal, aquilo que se pode desejar. Sartre enfatiza que não existe uma natureza pronta, acabada e pré-definida. Somos todos livres, e podemos fazer escolhas em nossa relação com a vida, aonde a essência do indivíduo se define por aquilo que ele faz de si mesmo, estando então, cada um de nós condenados à liberdade. Não existindo a ideia fixa que há na vida um espaço para o destino, o destino somos nós que criamos, o que precisamos é ter conexões claras de nossos pensamentos, sermos capazes de críticas nossas escolhas em um olhar mais distante de nós mesmos. Aqui vale lembrar a obra de Shakespeare, Hamlet quando ele diz me mostre um homem que não seja escravo da paixão e eu o seguirei, porque ele é senhor de si.

A verdade é que não podemos negar que nos tempos atuais, acabamos, mesmo que por alguns instantes, vivenciar uma vida um tanto utópica, distante, sem sentido e iludida dentro da própria introspeção, sendo controlada ou manipulada por outro, afetando nossa condição de escolhas nas relações com a vida. Dentro dessa inconstância e incerteza o excesso de pontos de referência socialmente estabelecidos e generalizadores originam o distanciamento de nós mesmos.

Ao que se percebe há de fato um crescente descaso coletivo, aonde os valores do SER foram substituídos pelos valores do TER, em uma inversão de papel da moral de cada um. O medo da falta de pertencimento é motivador do exagero individual de cada um em não ser mais capaz de cuidar de si mesmo. Apesar de exceções ilusórias de relações e conexões virtuais, o individualismo se expressa ferozmente e mesmo nas consciências mais lúdicas foi tomado pelo medo. Muitos não conseguem mais se encontrar, não sabem o que querem e muito menos o que sentem nas relações com a vida. Sua liberdade foi tomada pela desesperança. Passando a dependência nas relações, preferindo a não liberdade do que sofrer as angustia de escolher o próprio caminho, as próprias decisões e fazer as próprias escolhas, tornando-as vazias.

O desconhecido é parte do modo de ser livre, porém pessoas vazias não suportam a angustia da liberdade de escolhas na vida. Vive a ilusão da liberdade do outro, onde as certezas sobrevivem, certezas estas que representam um modo convencional de viver, iludido das justificativas injustificáveis de temer a liberdade de se movimentar, mudar, interagir, fazer diferente na ausência dos Afetos. Fruto em grande parte da incapacidade de reconhecer dentro de si os próprios valores. Dostoiévski disse: “Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram. ” Na ausência de reconhecer a própria condição existencial, reflete em uma trajetória sem sentido, sem objetivo. A falta da razão impossibilita então distinguir e honrar a própria trajetória. Com isto as virtudes essenciais do SER acabam pela inépcia de viver a própria vida. Renunciando as próprias responsabilidades, encontrando no outro a razão do que não é. Dostoiévski diz ainda que: “O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo. ” Esta frase remete exatamente a tristeza que sofremos ao perder o prumo nas relações, dependendo que outros assumam responsabilidade pela maior parte nas principais áreas de nossa vida. Para nós é fundamental entender que para reconhecer a liberdade e o equilíbrio em nossas relações é preciso ter coragem para se arriscar no universo das incertezas e das lutas que a vida nos proporciona no dia a dia, pois sem isto tornamos aprisionados ao outro em uma relação excessiva repleta das preocupações irreais como o medo do abandono. Dostoiévski completa seu pensamento dizendo que “As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”. Desta forma, nos aprisionamos na “gaiola” com uma vida morna, sem graça, desiludida, pertencente não mais a nós, mas ao outro.

Mas é verdade que sair disto não é fácil. Toda esta imensidão de Afetos que sofremos durante a vida gera uma complexa rede imensurável de experiências que nos condicionam a nossa própria cegueira moral. Fato é que toda mudança é por si desagradável. Não é todo mundo que está preparado e predisposto a aceitar as mudanças para tornar-se melhor do que já é, tendo energia vital para sair desta “gaiola”. Isso é o mesmo que deixar a zona de conforto e isto é complexo.

Mais claramente falando, zona de conforto é aquilo que nos traz o reconfortante equívoco existencial da sensação de estarmos felizes com o que temos. Representa uma série de ações, pensamentos e/ou comportamentos que estamos acostumados a ter e que não causam nenhum tipo de medo, ansiedade ou risco. Nessa condição realizamos um determinado número de comportamentos que nos dá um desempenho constante, porém limitado e com uma sensação falsa de segurança. Talvez não esteja na zona de conforto o abismo dos Afetos, mas sim nas escolhas dos caminhos baseados na perda dos próprios valores, da falta de se alto conhecer, de perceber quem realmente é, evitando se tornar opaco, regado pelo próprio ego aprofundando-se em uma moral social liquida, conectada aos hábitos e crenças, cegos das possiblidades.

Medo à liberdade é a angústia da escolha. O medo a liberdade é nosso maior medo é angustia em sua natureza. Como resultado surgi a sensação de culpa, o vazio e a solidão. A incapacidade de escolher os nossos próprios desejos faz da vida uma vida sem graça, fútil aonde os sonhos se perdem no despejo infinito da tristeza impotente de ser quem somos. Passamos então a ser dependente, suscetível a aceitar a opinião do outro, daquele que mais lhe convém e lhe acolhe, não construindo uma razão, evitando a exposição e a contrariedade perante as relações, submisso a própria insegurança pessoal. Em outras palavras, fato é que quando não temos convicção sobre aonde estamos no mundo das relações, quem realmente somos, sobre nossos desejos e princípios, passamos a ser marionetes nas mãos daqueles que nos acenam dando a falsa sensação de completar o fracasso que temos com nós mesmos, seja pela falta de segurança, controle, autoestima e tudo aquilo que contempla nossa maturidade emocional.

A perda de nossas próprias convicções, nos afastam de quem somos, de nosso olhar objetivo, criando uma dependência afetiva externa em uma autorização extrema, desnecessária, permissiva, na qual se deixa as relações com a vida na mão do outro. As batalhas do dia a dia partem para uma busca confinada não mais para encontrar a felicidade, a completude, a satisfação de ser quem somos, mas sim da necessidade da admiração do outro sobre nós mesmos, sem perceber que aos poucos se viverá da escravidão, ficando aprisionado na excludente busca ilusória dos Afetos em ser amado e admirado. A submissão afetiva, faz e reage para não perder a relação com o outro devido ao próprio medo de ser quem somos, inseguro dos nossos próprios valores.

Portanto, espero que até aqui eu tenha expressado claramente os principais motivos e as consequências duradouras da falta da Autonomia Afetiva. Que fique claro que o medo e insegurança pessoal somada a falta de se auto conhecer, dentro deste mundo que não para de se “transformar”, são bases fundamentais na geração da dependência afetiva, partindo pelo próprio princípio sistêmico. A ausência de transcender a própria existência em uma jornada para dentro de si, torna-se nós incapazes de desprender das feridas emocionais geradoras de nossas crenças limitantes, impossibilitando superar as imaturidades emocionais que mantemos com nós mesmos. 

Isto tudo se relaciona ao fato de que no ritmo acelerado de um mundo de imediatismo, no qual a atenção dificilmente consegue hoje se fixar em algo importante, há um perigo muito eminente de acabarmos por perder a sensibilidade em relação aos outros e este não é o propósito dos Afetos. A Autonomia Afetiva torna-se então fundamento para a forma do equilíbrio empático, dentro do processo do desenvolvimento da maturidade emocional enquanto ser único, singular e autêntico. Quanto mais autoconsciência do nosso próprio SER, maior a liberdade de escolha e decisão nas nossas manifestações e da liberdade viver. Por tudo isso é fundamental compreender a Autonomia Afetiva.

De uma maneira mais resumida, podemos apresentar a Autonomia Afetiva como a mestria introspectiva do SER em ter controle cognitivo sobre as próprias vontades nas inter-relações que se mantem com o mundo. Não tem nada a ver com a autossuficiência, pelo contrário. De forma o qual representa para si a desambição afetiva nas diversas condições sociais. Ter a firmeza de conservar a própria identidade diante aos próprios valores, não permitindo que outros tomem suas decisões, as escolhas e as concepções dos Afetos, que a grosso modo representa então, a forma essencial do domínio de ser você mesmo diante das influências externas.

Autonomia Afetiva relaciona-se, portanto, em muito mais focar no aprimoramento da nossa qualidade do bem-estar e da razão individual de viver do que a emancipação do mundo em que vivemos. Em outras palavras o que quero dizer é que Autonomia Afetiva não é o isolamento do mundo, fundamentado no egoísmo ou na total independência social, mas sim desenvolver a capacidade de conhecer a si mesmo, as próprias necessidades, vontades, desejos, sem ter que viver na introspectiva do outro. Não permitindo assim a concessão das forças externas que agem em nossas relações sejam maiores que as forças internas que movem nosso desejo de SER. Uma pessoa que tem Autonomia Afetiva é aquela que consegue responder nos instantes da vida a seguinte pergunta: “O que de mim sou eu mesmo e o que de mim faz parte dos desejos dos outros?

Nietzsche diz que só há vida ser houver vontade de potência: “Somente onde há vida, há também vontade; mas não vontade de vida, e sim – assim vos ensino – vontade de potência. ” Nietzsche acreditava fielmente que para haver vida tem que acontecer o amadurecimento das relações com o mundo e para isto a vida só se apresenta na conquista das relações com o mundo que ocorrem a todo instante, manifestado nos obstáculos desafiadores que ela nos propõe a todo momento, logo para ele a superação é a forma representada a vontade de potência, são as vitorias sobre a resistência da vida que nos faz crescer. A ética das relações substanciada na vontade de potência de Nietzsche nos dá como direção: “O que é bom? – Tudo o que aumenta no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência. O que é ruim? Tudo o que nasce da fraqueza. O que é a felicidade? O sentimento de que a potência cresce, de que uma resistência foi vencida. Não o contentamento, mas mais potência. Não a paz finalmente, mas a guerra; não a virtude, mas a excelência. ” Desta forma, partindo deste preceito, é possível compreendermos que está no aprimoramento da vida a capacidade de desenvolver os Afetos naturais em nossas relações e isto só é possível quando encontramos dentro de nós a razão do que somos, para sentirmos livres de escolhermos aquilo que é amável a nós e não somente mais aos outros. 

Mas podemos ir além. Para a naturalização da autonomia, é vital encontrar nosso lugar nas relações com o mundo, tendo a consciência que ninguém pode ser responsável por nos fazer felizes. Para isto é imperativo fugir das normativas sociais, rompendo a temporalidade sem carregar o peso da própria história, das pendências, dos traumas do passado, possibilitando mudanças, impedindo transformar nossas angustias em crenças que nos limitam sermos quem somos. Tornando as circunstancias responsáveis por fazermos tomar a parte pelo todo e julgarmos momentos passageiros como responsáveis por todas as questões de nossa vida. Circunstância e tudo que passa e da vida fica nós. Deixar de lado este frenesi de querer ficar em constante busca do EU, em vez disso, buscar compreender o estado do SER. Em outras palavras aqui quero dizer que viver angustiado por causa do passado e tentar descobrir todas razões que o mundo lhe transformou pouco agora importa, afinal do passado nada se materializará, do passado nada se repetirá, todas nossas relações são únicas e nada será como antes, porque aquilo que foi do jeito que foi e nunca mais será. Por isto afirmo que a vida é sempre um estado do SER. O que SOU hoje é o que me fará SER, e está no estado do SER a razão da potência que pode nos alegrar ou entristecer. Nossa energia vital.

Lembrando então aqui mais uma vez Espinoza quando ele enfatiza que quando ganhamos vida nos alegramos e quando não nos alegramos, perdemos vida e então nos entristecemos. Temos que tornar os Afetos suficiente para criar dentro de nós um mundo colorido. Senão, daí respaldamos para a dependência do outro para vivermos, afinal quem somos passa a ser insignificante para nós mesmos, tornando a vida uma completude somente com base na ânsia da aprovação do outro, sustentando o desespero de suportar viver em prol somente das nossas necessidades aos olhos do outro, como: ser reconhecido, ser amado, ser admirado, ser livre e ser útil. Ao romper a temporalidade dos Afetos, damos valor maior ao presente, nos dirigimos então para produzir, para priorizar ações importantes e indispensáveis à nossa evolução, permitindo à consciência conectar-se com o mundo em um processo inverso ao que estamos acostumados a viver. O aprimoramento de nossas relações nos distancia da banalidade dos laços afetivos, das amarras e dos clichês, dos compromissos dissolvidos, e fortalece a nossa ética das relações deixando-nos livre para os Afetos sinceros no importante momento em que tem que ser.

A capacidade de desenvolver a Autonomia Afetiva está na compreensão de que vivemos sobre inúmeras perspectivas emocionais. Nossas relações sempre estão em profundo acordo com a forma que observamos a vida através das emoções, de nossos sentidos. As sensações geradas nas relações vêm do mesmo corpo que pensa, não há como separar nossos sentimentos de nossos pensamentos. Pensamentos no qual temos que aprimorá-lo constantemente. Sendo críticos de nós mesmos. Temos que aprender que neste mundo não estamos apenas para existir, temos também que viver. Consciência do que eu quero, para onde vou. Consciência de tudo que me cerca, para não nos tornamos dogmáticos de nós mesmos.

A consciência é uma pequena parte da nossa psique, em outras palavras, pensamos muito mais do que conscientemente desejamos, por isto é fundamental compreender o quanto é importante reconhecer aquilo que as sensações do corpo nos apresentam, pois, nossa concepção intelectiva são definidas pelos Afetos.

Podemos deliberar em favor aos nossos Afetos, para isto temos que ser capazes de perceber e distinguir as influências que nossas relações com o mundo podem proporcionar. Existem relações que nos faz alegrar e existem as que nos fazem entristecer. A alegria nos torna mais fortes e resistentes perante a vida enquanto a tristeza nos deixa vulneráveis, expostos ao acaso. Logo, aquilo que passa dentro de nós são a resposta de nossa energia vital.Devemos então nos esforçar sempre para poder compreender e refletir diante as manifestações de nosso corpo perante a vida que estamos escolhendo viver, agindo de forma lógica e síncrona com nossos próprios desejos, daquilo que pensamos, sentimos e fazemos. Reconhecendo as próprias necessidades emocionais. Lembrando sempre se não nos reinventamos sempre, morreremos, ou melhor, como Nietzsche dizia que só morremos de tristeza”.

Lembre-se que o pensamos está a serviço do que sentimos, não é possível interpretar nossos pensamentos sem entender o que sentimos, fato o qual não podemos fugir das próprias emoções. A vida é um conjunto de relações únicas e exclusivas que jamais irão se repetir. Viver é estar em relação. A qualidade de viver é diretamente proporcional com a qualidade das relações que cada um de nós mantemos de forma peculiar com o mundo. A vida é no mundo, e vivemos na medida e intensidade que nos relacionamos. A falta de lucidez de nossas relações proporciona a incapacidade de perceber e compreender a manifestações dos Afetos perante a vida. Estar em relação com a vida é entender que o mundo nos afeta incessantemente, mas também afetamos o mundo, initerruptamente. Somos resultado desta troca em nossas relações singulares com o mundo, e grande parte desta relação são imperceptíveis a nossa consciência.

“Lamentar um pouco menos, esperar um pouco menos e amar um pouco mais. ” Como disse Comte-Sponville.

Estamos em um mundo no qual somos formados por um conjunto de energia e tudo que está por trás de nossa vida é um esforço desesperado pelos encontros alegres com o mundo e a luta constante para evitar os tristes momentos em nossos Afetos. Mas saiba, que não é possível fazer dos instantes afetivos uma fórmula da vida nem um padrão existencial, já que no momento seguinte aquilo que passou não se repetirá jamais, por isto temos que ser livre, autônomos de nós mesmos, para que possamos experimentar a vida no agora, neste presente.

Temos que viver o instante presente, dar mais importância ao mundo que está diante a nós e menos ao mundo que já foi ou que ainda será. Deixe os Afetos para o mundo que é, no agora, pois mesmo que ele flua entre alegrias e tristezas, ele é o único mundo real. Não podemos evitar a morte. Não temos controle sobre dois eventos de nossa existência, o nascimento e a morte. Porém o que acontece entre esses dois eventos depende de nossas escolhas. Dentro de limites tudo que acontece tem nós como ator principal. Lembre-se sempre somos donos de nosso destino, donos de nossa vida. Por isto, espero que entenda que está na livre escolha de nossas relações à margem de nossa consciência no presente, no agora, na reconciliação com o real, no encantamento de quem somos e nos encontros com o mundo como ele é, o fundamento libertador da AUTONOMIA AFETIVA. 

REFERÊNCIAS DE PESQUISA

BAUMAN, Z. & DONKIS, L. Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

BARROS, C. A dinâmica dos Afetos. Acessado em: < https://www.youtube.com/watch?v=1-Yly_l4l3Q>

CHAUÍ, Marilena. Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

CSIKZENTMIHALYI, M. A Descoberta do Fluxo: Psicologia do Envolvimento com a Vida Cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

DOSTOIÉVSKI, F. Os irmãos Karamázov. São Paulo: Círculo do Livro, 2000.

GONÇALVES, J. J. Spinoza: Hackeador dos Afetos. Acessado em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8641866>

MOUTINHO, L. D.S. Sartre: Existencialismo e Liberdade. São Paulo: Moderna, 2003.

NIETZSCHE,F. A Gaia Ciência. São Paulo: COMPANHIA DE BOLSO, 2012.

SARTRE, J. P. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica, trad. Paulo Perdigão Petrópolis: Vozes, 2002.

VICENZI, L. Coragem para Evoluir; Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia (IIPC); Rio de Janeiro, RJ; 2001.

ROSO, J. V. Na sociedade líquida, como se apresenta a irresponsabilidade moral da oligarquia contemporânea? Acesso: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI107743,31047-Na+sociedade+liquida+como+se+apresenta+a+irresponsabilidade+moral+da>

SOUSA, J. D. CEGUEIRA MORAL: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Acessado em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/bauman/article/view/6001>

ZOLET, S. Autonomia Afetiva: Maturidade nas Inter-relações. Acessado em: http://www.oic.org.br/publicado/downloads/anaisIsimposio/07_MD2_autonomiafetiva_maturidade_interrelacoes.pdf

2 Comentários

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