
A PSICOLOGIZAÇÃO DA VIDA: QUANDO A DOR VIRA DIAGNÓSTICO
Quando a dor vira diagnóstico, perdemos a chance de viver a travessia.
“Nem toda dor é patologia. Nem todo sofrimento exige cura. Algumas dores, na verdade, exigem coragem para serem vividas.” Vivemos em tempos onde as experiências humanas mais fundamentais — como o luto, a ansiedade diante da instabilidade, o medo de errar ou a tristeza existencial — passaram a ser tratadas como disfunções clínicas. É como se estivéssemos dizendo ao mundo: “Se está doendo, então está errado. E se está errado, precisa ser medicado.”
Mas será mesmo?
A dor humana foi sequestrada pela lógica do diagnóstico.
É o que o psicólogo espanhol Marino Pérez Álvarez denuncia: “Os problemas não estão dentro da pessoa. É a pessoa que está dentro de um contexto onde tudo se complicou.” A frase é um convite radical à responsabilidade coletiva. Não é o cérebro que está quebrado. É o mundo que adoece subjetividades com relações tóxicas, ambientes opressivos e sistemas que esgotam. Por isso, confundir sofrimento com transtorno é um erro — e um risco.
Imagine alguém que perdeu o emprego após anos de dedicação. Sente tristeza, insegurança, medo do futuro. O diagnóstico? “Transtorno depressivo maior”. O tratamento? Psicofármaco.
O que fica de fora? A humilhação. A perda de identidade. A sensação de inutilidade que nenhum remédio pode apagar — quando medicalizamos a dor, silenciamos sua mensagem.
Assim como a febre não é a doença, mas o sintoma de algo que precisa ser enfrentado, o sofrimento muitas vezes aponta um chamado à mudança — não uma falha bioquímica. Fato é que transformar o sofrimento em patologia é uma forma de desumanização.
Nietzsche já dizia: “Aquele que tem um porquê enfrenta qualquer como.”
Mas numa cultura que teme a dor e idolatra a performance emocional, o porquê se dissolve no imediatismo da solução. Resultado: tratamos o sintoma, mas não transformamos o sentido.
Exemplo comum que atendo: Um jovem tímido evita falar em público. Recebe o rótulo de “fobia social”. Mas o que está por trás? Um sistema educacional que pune o erro, pais que exigem perfeição e um mercado que recompensa apenas os “extrovertidos”. O problema não é a timidez — é o ciclo de vergonha, evitação e isolamento. A verdadeira terapia não é silenciar a emoção, mas ajudá-lo a agir com ela. Não apesar do medo, mas com ele, isso faz sentido para você?
Segundo estudos publicados no Journal of Clinical Psychology, mais de 80% dos diagnósticos de ansiedade não consideram fatores contextuais como desemprego, dívidas ou violência doméstica. Luto de mais de 15 dias pode ser considerado “patológico” — medicalizamos até a alma. Essa estatística escancara um ponto central: muitas vezes, não é o sujeito que está adoecido — é o sistema que o adoece. Em vez de rotular, deveríamos perguntar:
• Essa dor é sinal de colapso ou de transformação?
• Precisa de diagnóstico ou de escuta?
• De pílulas ou de sentido?
Além disso, o DSM não é ciência pura — é um produto com conflitos de interesse. Saiba que 72% dos autores do DSM-5 têm ligações com farmacêuticas (PLoS Medicine). Agora reflita: “Se um escravizado fugisse no século XIX, ele tinha transtorno de ansiedade — ou estava reagindo a um sistema insuportável?”
Por isso mesmo é urgente resgatar o valor da dor como parte da experiência humana. Não para glorificar o sofrimento — mas para libertá-lo da tirania do diagnóstico. Como dizia Viktor Frankl: “O sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que encontra sentido.”
A FUGA DA DOR NÃO CURA. SÓ A PRESENÇA TRANSFORMA.
Espero que chagando aqui já tenha entendido que nem toda dor é patológica — algumas são pedagógicas. Agora, vamos além: o que fazemos com a dor diz mais sobre nossa saúde mental do que a dor em si.
A Cultura Da Anestesia Emocional
Vivemos numa era onde sentir se tornou um fardo. A dor, que antes era considerada parte da travessia humana, hoje é vista como falha pessoal.
Com isso, surge um fenômeno silencioso: a esquiva experiencial. Esquiva experiencial é o esforço constante para evitar pensamentos, emoções ou memórias desagradáveis — mesmo que isso comprometa escolhas importantes e valores profundos.
Exemplo clássico?
Alguém que evita relacionamentos porque teme rejeição.
Outro que vive para agradar, com medo de ser excluído.
Ou quem diz “não quero mais sofrer”, e por isso fecha o coração — para a dor, mas também para o amor.
Pesquisas em Terapias de Terceira Onda, como a ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) ou processos de Desenvolvimento Cognitivo Comportamental, mostram que quanto mais evitamos o sofrimento, mais ele nos domina.
Não se trata de masoquismo emocional, mas de compreender que no fundo fugir da dor é fugir da vida, é esvaziar a alma.
O Paradoxo Da Evitação
O que prometia proteção se torna prisão. E aqui nasce a patologia moderna: não é a dor que nos adoece, mas a tentativa compulsiva de controlá-la, escondê-la ou silenciá-la. Como dizia Jung: “Aquilo que você resiste, persiste. O que você aceita, se transforma.”
A Dor Que Não É Vivida Se Transforma Em Sintoma
Quando negamos a tristeza, ela volta como apatia. Quando silenciamos a raiva, ela vira autoagressão. Quando abafamos o medo, ele se infiltra em todas as decisões.
A psicologização da vida, nesse sentido, não apenas patologiza o sofrimento: ela coloniza o sentido da experiência, e nos convence de que estar bem é estar sempre feliz, produtivo e emocionalmente regulado.
Mas isso é humano?
Nietzsche nos provoca novamente: “É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante.” O problema não é o caos — é não saber como dançá-lo.
Flexibilidade Psicológica
Sim! A flexibilidade sobre nossos processos internos é o antídoto da anestesia emocional. A verdadeira saúde mental não está em eliminar o sofrimento, mas em cultivar a capacidade de estar presente com o que é, sem se perder do que importa. Flexibilidade é a arte de dizer:
“Mesmo com medo, eu sigo. Mesmo com dor, eu ajo. Mesmo na incerteza, eu escolho.” – Marcello de Souza
É a habilidade de se mover em direção aos próprios valores, com ou sem desconforto.
Veja por exemplo, uma profissional sente ansiedade sempre que precisa se posicionar em reuniões. Por anos, evitou. Perdeu espaço, autoestima e oportunidades.
Ao invés de tentar eliminar a ansiedade, aprende a reconhecer sua presença, respirar com ela, e agir apesar dela. Resultado? Mais autenticidade, mais conexão, mais potência. Sim! É verdade que a dor não foi embora. Mas deixou de ser obstáculo, e passou a ser companhia. Nunca se esqueça que:
Diagnosticar é importante — patologizar, não.
Tratar é necessário — invalidar, jamais.
Sofrer não é sinal de fraqueza — pode ser, inclusive, a trilha mais honesta de volta a si mesmo.
ESCUTAR PARA TRANSFORMAR: QUANDO A DOR ENCONTRA LUGAR, ELA DEIXA DE GRITAR.
Quero agora voltar ao começo deste artigo e perguntar: Como reumanizar o sofrimento em um mundo que nos ensina a silenciar a alma?
A resposta começa com algo ancestral: ESCUTA. Sim! Parece um absurdo aos ouvidos de muitos, mas a verdade é que a quando aprendemos a dialogar com nós mesmos, aprendemos a escuta que não rotula. Escuta que valida. Escuta que sustenta.
Em um tempo onde todos opinam, poucos escutam.
E quando escutam, é para diagnosticar, corrigir ou comparar. Mas o que muitas vezes a dor pede não é solução — é acolhimento. Ela precisa ser ouvida como linguagem do corpo, como expressão do invisível, como gesto de quem está tentando existir com dignidade mesmo diante da angústia.
Um adulto que se cala pode estar repetindo a infância de não ter sido ouvido.
Uma profissional que “explode por nada” pode estar exaurida de sustentar tudo.
Um líder que controla obsessivamente pode estar aterrorizado com sua própria fragilidade. Não se trata de justificar tudo com trauma — mas de abrir espaço para compreender o que esse sintoma está tentando dizer.
O corpo fala. A alma repete. A cultura distorce. E o mercado cega e vicia!
A dor não tratada se transforma em sintoma.
O sintoma não escutado se converte em rótulo.
E o rótulo, quando cristalizado, vira identidade psíquica. Assim nascem frases como:
“Sou ansioso mesmo.”
“Tenho TDAH, por isso não foco.”
“Tenho burnout crônico, não dou conta de trabalhar.”
Cuidado: Essas falas podem até conter alguns elementos de verdade, mas também podem ocultar outra:
… o sofrimento nunca foi escutado como legítimo, apenas como defeito a ser eliminado.
Pense nisto: No Journal of Clinical Oncology demonstra um estudo que demostra que pacientes com câncer que aceitam a tristeza têm 30% menos depressão.
A dor aceita se transforma em travessia.
Do outro lado, a lógica do DSM nos ensinou que sofrer “por muito tempo” é doença. Mas… quem define o tempo?
Dois meses de luto? Transtorno.
Ansiedade por trabalhar em ambiente tóxico? Transtorno.
Problemas psicológicos genuínos surgem quando as estratégias que usamos para sobreviver começam a nos impedir de viver.
Você evita conversas por vergonha? O problema não é a emoção. É o automatismo da fuga. A terapia não “cura” timidez. Ela desmonta a armadilha que aprisiona seu potencial.
Ambientes Que Acolhem São Ambientes Que Curam
A saúde mental não é só um processo individual. Ela é também ambiental e relacional. Lugares que exigem performance constante, que punem a vulnerabilidade, que valorizam a velocidade e ignoram a escuta… adoecem pessoas funcionais.
Ambientes saudáveis, por outro lado, operam em outra lógica:
• A falha é oportunidade de aprendizado, não de humilhação.
• A emoção é compreendida como dado, não como fraqueza.
• O cuidado não é exceção, mas parte da cultura.
Pessoas não “adoecem do nada” — elas adoecem em sistemas que as adoecem.
Humanizar É Devolver A Dignidade À Dor
“Não é a dor que nos desumaniza. É o silêncio dela nas estruturas que criamos.” – Marcello de Souza
Como bem disse Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano pouco popular no mainstream, “a positividade do desempenho anula a escuta da dor”. Vivemos uma era onde o sofrimento é tratado como falha de performance — e não como parte legítima da experiência de ser humano.
Já Emmanuel Levinas, pensador da alteridade, nos alertava que a ética nasce no rosto do outro — sobretudo quando esse rosto carrega sofrimento. “Sou responsável por ele sem esperar reciprocidade; até por sua própria responsabilidade sou responsável.” Mas talvez quem mais nos ajude aqui seja María Zambrano, filósofa espanhola que ousou dizer:
“A dor é o que primeiro nos torna conscientes de estarmos vivos. E só quando alguém nos escuta com verdadeira presença, essa dor encontra dignidade.”
Humanizar, portanto, é devolver à dor o seu lugar legítimo na narrativa da existência. E isso começa com linguagem. Começa quando trocamos o “o que você tem?” por perguntas mais humanas:
• “O que te atravessa hoje?”
• “O que está pesado para você sustentar?”
• “Como posso caminhar com você, mesmo sem entender tudo?”
Essa não é apenas uma mudança de palavras.
É uma mudança de mundo. O verdadeiro transtorno não é sentir dor.
É desistir de viver para evitá-la.
Como dizia Viktor Frankl:
“Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço reside nossa liberdade e nosso poder de escolher nossa resposta. E na nossa resposta está o nosso crescimento e nossa liberdade.”
E agora, o que fazer com tudo isso?
Se você lidera, lembre-se: liderar não é controlar a dor do outro, mas criar espaço para que ela seja sentida e respeitada. A verdadeira liderança nasce na escuta profunda — aquela que acolhe sem pressa, sem julgamento e sem pressa para “consertar”. É um convite à vulnerabilidade compartilhada, onde a força emerge da presença.
Se você cuida de alguém, abandone a ânsia do “conserto rápido”. O que cura não é o remédio ou a solução imediata, mas o sustentar. Segurar a mão do outro, estar disponível mesmo quando não há respostas, validar o sentir — isso é cuidar com alma.
Se você sofre, saiba de uma verdade essencial: sua dor não é sinal de fracasso ou fraqueza. É travessia. Como ensinou Carl Jung, “a cura vem quando o que está dentro encontra seu caminho para fora”. Sua dor é um portal — para uma reconexão profunda com sua humanidade integral, imperfeita e real.
E talvez essa travessia esteja te devolvendo aquilo que a vida moderna tenta ocultar: a capacidade de ser humano — em toda sua complexidade, contradição e beleza. Abraçar isso é mais que um desafio; é um chamado para viver plenamente.
A psicologização da vida nos afastou da alma.
É hora de trazê-la de volta. Alias, o processo terapêutico não serve para apagar sofrimento — serve para fortalecer sua capacidade de atravessá-lo.
Expor padrões de fuga (ex: excesso de produtividade para evitar o vazio).
Trocar o controle emocional por flexibilidade psicológica:
Sentir desconforto, mas ainda assim agir com base em valores.
Volto a dizer: O verdadeiro transtorno não é sentir dor.
É desistir de viver para evitá-la.
“Talvez o seu ‘transtorno’ não seja químico — talvez seja seu cérebro gritando que algo em sua vida precisa mudar.” – Marcello de Souza
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Convido você também a ler o texto do psicólogo Eparquio Delgado, intitulado “Pontos para distinguir um problema psicológico”, disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/17/eps/1563359384_733539.html
Este artigo inspirador complementa profundamente nossa reflexão sobre como compreender e humanizar o sofrimento, ajudando a diferenciar entre um problema psicológico legítimo e uma resposta natural às dificuldades da vida. Uma inspiração para nossa abordagem integrativa.

Você se Orgulha de Ser “Fácil de Lidar”?
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