
A Síndrome do “Projeto Comum” – Quando o Amor Some e a Sociedade Assume
Há algo silencioso e insidioso que corrói muitas relações ao longo do tempo. Quase nunca se fala sobre ele, mas ele está presente em inúmeros casais: a chamada Síndrome do “Projeto Comum”. É aquela transformação sutil, quase imperceptível, em que a vida a dois se reduz a um conjunto de tarefas, metas e responsabilidades, e o amor — que deveria ser o centro — passa a ocupar um lugar secundário, quase invisível.
Muitos casais começam a jornada juntos com sonhos e planos. Compram uma casa, decidem ter filhos, constroem negócios, dividem agendas. A vida parece organizada, eficiente e promissora. Mas há um detalhe que costuma escapar: o amor não se organiza, o desejo não se agenda, e a intimidade não aceita prazos ou planilhas. Quando confundimos a vida a dois com a gestão de projetos, algo essencial se perde. O casal existe, mas não se sente. Compartilham espaço, mas não presença. Vão lado a lado, mas não se encontram.
O que se instala é um vazio silencioso:
– A intimidade emocional se resseca, como se os sentimentos se tornassem redundantes diante da rotina;
– O desejo, aquele que acende e transforma, se esconde, engolido pelo pragmatismo;
– A convivência se torna obrigação, e não prazer;
– O vínculo se reduz a utilidade, e não a afeto;
– Pequenos gestos de carinho, olhares e sorrisos passam despercebidos, corroendo a essência do que mantém um casal vivo.
Muitos não percebem a dimensão desse esvaziamento. É silencioso, mas devastador: transforma parceiros em estranhos domésticos, cria distâncias invisíveis e instala a sensação de solidão mesmo quando estão lado a lado. E, paradoxalmente, o mais doloroso é que o casal geralmente ainda acredita que está construindo algo grandioso — enquanto a vida afetiva, a intimidade e a paixão são deixadas para segundo plano.
O amor verdadeiro, no entanto, resiste. Mas ele exige algo que vai além do desejo ou da afeição: exige admiração e coragem. Coragem para desacelerar, para tocar sem objetivo, para olhar sem perguntar nada, para rir sem motivo. Ele se manifesta no gesto inesperado, no toque que não cobra retorno, na palavra dita apenas para existir junto. Ele nasce no ócio compartilhado, na contemplação, na presença que não precisa se justificar.
Reconhecer a síndrome é o primeiro passo para a cura. Mas a cura não é simples nem automática; exige consciência ativa e prática constante. É preciso resgatar a dança delicada entre construir e sentir:
– Reconectar-se com o ócio e a diversão compartilhada: criar espaços em que a vida a dois seja experimentada sem objetivo, apenas por prazer de existir juntos;
– Reaprender a flertar, mesmo depois de anos: pequenas provocações, gestos inesperados e olhares que reativam a atenção para o outro;
– Valorizar o encontro sobre a execução: antes da tarefa, está o sentimento; antes do resultado, a presença;
Criar rituais que celebrem a presença, não apenas conquistas: momentos que reforcem a intimidade e a conexão, independentemente de metas ou planejamento.
Viver a dois, quando saudável, não é administrar ou gerenciar; é experimentar, sentir e existir juntos. É escolher sentir mais do que acertar, olhar mais do que planejar, tocar mais do que controlar. É caminhar lado a lado sem mapa, existir juntos sem medir tempo, rir juntos sem razão, tocar sem expectativa de retorno. É lembrar que a vida compartilhada é o único projeto que não pode ser mensurado em metas, mas sim em intensidade, presença e verdade.
O que muitos não percebem é que o amor verdadeiro é frágil — mas também resiliente. Ele se destrói quando negligenciado, mas floresce quando cultivado conscientemente. Exige atenção diária, coragem existencial e disposição para sentir antes de decidir. Requer que ambos os parceiros não apenas compartilhem espaço físico, mas que se encontrem emocional e espiritualmente. Que se permitam sentir, contemplar, tocar, admirar. Que resistam à tentação de transformar o vínculo em obrigação ou projeto.
As consequências de ignorar essa necessidade são profundas. A falta de intimidade verdadeira gera uma sensação de incompletude e vazio existencial. O casal pode ter sucesso material, estabilidade financeira e filhos, mas sem presença, sem conexão e sem flerte, cada conquista se torna um gesto frio, uma formalidade vazia. A vida se transforma em uma sequência de tarefas cumpridas lado a lado, sem que haja espaço para o mistério, o desejo e a admiração que dão sentido à existência compartilhada.
Por outro lado, a reconexão exige coragem. Coragem para desacelerar, para se colocar diante do outro sem máscara, para criar momentos que não precisam de justificativa, para reconhecer que o amor não é resultado, mas prática contínua de presença. Resgatar o prazer de estar junto, o toque que não cobra retorno, a palavra dita sem intenção de solucionar. Redescobrir o flerte, o olhar, o riso, a cumplicidade silenciosa.
O amor verdadeiro não é acumulativo. Não se mede em marcos, em objetivos, em conquistas. Ele é vivido, sentido e cultivado no cotidiano. É delicado, intenso e silencioso; exige atenção plena e coragem emocional. É a arte de existir junto, sem reduzir o outro a um projeto ou uma meta. É a lembrança constante de que estar a dois é, acima de tudo, escolha e presença, não obrigação ou administração.
Pergunta final para reflexão profunda: Quantas vezes transformamos o amor em tarefa e esquecemos que ele só existe quando nos permitimos senti-lo, verdadeiramente, sem medidas, sem metas e sem justificativas?
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