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Entre as Cores Perdidas e a Alma Que Não Esquece

Existem momentos em que a vida parece perder suas cores — não no sentido literal, mas naquela tonalidade interna, aquela paleta emocional que define quem somos, o que sentimos, e como nos relacionamos com o mundo. A canção “White Paper”, do Marillion, mergulha nesse limiar entre o colorido vibrante da existência e os diferentes tons de branco que tomam conta quando o fogo interno se apaga.
“A cor do vazio não é ausência, mas uma pausa cheia de possibilidades.”
— Gaston Bachelard

Bachelard nos lembra que o vazio não é uma lacuna definitiva, mas um intervalo onde o novo pode nascer. No silêncio do branco, onde as cores parecem se perder, pode surgir o espaço para o reencontro, para a reinvenção do que nos habita.

A letra apresenta a imagem de “quarenta tons de branco”, uma metáfora que reverbera no vazio que nos assola quando a presença e o afeto desaparecem. O branco aqui não é paz, mas uma brancura espectral, um apagamento dos sentidos e das emoções — um convite a questionar onde foram parar as cores do fogo, da paixão, da vitalidade.

“She is painting forty different shades of white on white paper.”

É nesse cenário que muitos habitamos por dentro, mesmo quando tentamos pintar verde em “papéis de ontem”. Um esforço para colorir o passado, resgatar a inocência perdida, enquanto “the black keeps bleeding through, only to reveal our worldly blues.” Essa sangria do preto é o luto pela perda do que foi e o medo do que permanece nas sombras — emoções, memórias e, sobretudo, a desconexão consigo mesmo.

O Corpo que Silencia
Essa brancura pode ser compreendida à luz da neurociência e da psicologia comportamental sobre trauma e dissociação emocional. Quando a dor é profunda, corpo e mente criam defesas: silêncio, afastamento, anestesia emocional. São mecanismos de sobrevivência em mundos internos e externos que não acolhem vulnerabilidades.

Bessel van der Kolk nos lembra que o trauma interrompe a comunicação entre cérebro racional e emocional, e o corpo guarda memórias não verbalizadas. Assim, o “branco” da canção é o espaço onde a alma se retira para sobreviver, deixando ecos e vazios que reverberam em nosso ser.

O Desafio da Reconexão: Do Branco à Paleta da Vida
O convite mais profundo é o da reconexão — com o corpo, as emoções, a própria existência. Isso exige coragem para atravessar o branco, para não temer o que o silêncio revela.
“My eyes hurry not to see her falling away from me.”

Como desenvolvedor cognitivo comportamental, vejo essa jornada como uma escuta radical: ouvir o corpo, acolher a dor, reconhecer as feridas como mapas para a cura. Nosso sistema nervoso é plástico, capaz de aprender novos caminhos, reativar as cores internas e reacender o fogo perdido. Mas essa reconquista nasce da aceitação da vulnerabilidade — não de sua rejeição.

As Cores Que Ainda Podemos Pintar
A canção não termina no branco, mas no movimento da dúvida e da esperança, onde o olhar insiste em pintar — ainda que em “tons de verde” — um reencontro possível.

“I’m painting forty different shades of green, for all I’m worth, on yesterday’s paper.”

O trabalho interior, o desenvolvimento pessoal, a escuta encarnada e a presença integral são práticas que nos convidam a recolher os fragmentos do espelho quebrado e compor um novo mosaico, com coragem e compaixão.

“Muitos gastam energia buscando respostas, mas faltam-lhes a coragem para fazer as perguntas que realmente importam — aquelas que nos desafiam a olhar para dentro, confrontar nossa verdade e avançar.”
— Marcello de Souza

É nesse olhar profundo para si que começamos a dissolver a frieza do branco, retomando o fogo das cores que definem nossa humanidade.

Cinco Reflexões para Quem Quer Pintar a Vida com Novas Cores
1. O silêncio do branco não é ausência definitiva, mas um convite à escuta profunda do que ainda pulsa em nós. O vazio é o espaço onde nasce o novo, mesmo que a ansiedade tente convencer do contrário.
2. A memória do corpo guarda as cores perdidas — cuidar do corpo é devolver voz à alma. Reconectar-se com o físico é reencontrar a paleta emocional que compõe nosso ser.
3. A coragem de sentir vulnerabilidade é o primeiro passo para redescobrir autenticidade. A força verdadeira emerge na aceitação de quem somos, com todas as sombras e luzes.
4. A transformação não é linear nem rápida; é feita de avanços, retrocessos e, sobretudo, paciência compassiva consigo mesmo. Habitar as nuances do processo é o caminho para a liberdade interior.
5. Reexistir é pintar com a consciência de que somos autores e obras simultaneamente — criadores do próprio renascimento. Cada gesto de presença é uma pincelada na tela da alma.

Um convite para além da canção
White Paper é mais que uma música; é um mapa da experiência humana em sua forma mais crua e profunda. Nos desafia a olhar para o branco — para a ausência aparente — e reconhecer nele o potencial de uma reconexão vital.

Que este texto e essas reflexões sejam uma mão estendida a quem hoje se sente em branco, descolorido, desconectado. Há sempre espaço para o fogo que arde nas pequenas coisas, chamando para existir em toda a nossa complexidade.

Para fechar com o coração:
“Faces of my lost girl.”
— Marillion, White Paper

Esta frase evoca a imagem fragmentada de alguém que já não está mais presente em sua totalidade, como memórias dispersas, ecos do que se perdeu no tempo e na distância interior. Um lamento silencioso pelas partes que se desfizeram ou foram deixadas para trás.

“O que a alma não expressa em cores, ela sussurra em silêncio. Escute, pois nesse silêncio reside a verdade do ser.”
— Clarice Lispector

Porque a vida é assim… complexa, cheia de silêncios e cores ainda por revelar.

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