
O PERIGO OCULTO DO BOREOUT: O TÉDIO QUE MATA A ALMA NO AMBIENTE DE TRABALHO
“Tédio não é ausência de ocupação. É ausência de sentido.” – Albert Einstein
Você já terminou todas as tarefas do dia antes do horário do almoço e passou a tarde fingindo estar ocupado?
Ou se viu abrindo planilhas e e-mails antigos apenas para parecer produtivo? Talvez já tenha olhado para o relógio às 15h47 e sentido o tempo se arrastar como se o ponteiro zombasse da sua existência.
No universo corporativo contemporâneo, onde a busca por produtividade e performance beira o fanatismo, um inimigo invisível e paradoxal vem ocupando silenciosamente as cadeiras dos escritórios: o boreout. Uma síndrome psicológica tão corrosiva quanto o burnout — seu oposto em aparência, mas irmão em essência.
Se o burnout nasce da sobrecarga, o boreout nasce da escassez: escassez de estímulo, de desafio, de propósito. É o tédio crônico disfarçado de estabilidade, a morte lenta da alma em meio a tarefas insípidas e rotinas sem sentido.
Neste artigo, vamos despir o boreout de seus disfarces elegantes — cargos, salários e agendas cheias — para revelar o vazio existencial que se esconde por trás da inércia corporativa. Vamos entender, à luz da neurociência, da psicologia social e da filosofia do sentido, como esse mal silencioso compromete não apenas a saúde mental, mas a identidade e a dignidade do trabalhador contemporâneo.
O Que É Boreout?
É comum ouvir que o burnout é causado por estresse ou excesso de trabalho. Mas essa é apenas a camada mais visível de um fenômeno muito mais profundo. O burnout, em sua essência, não nasce do trabalho em si, mas do desalinhamento entre o self e o contexto.
É uma erosão silenciosa da identidade, alimentada por uma percepção contínua de inutilidade, falta de reconhecimento e ausência de propósito. O excesso de tarefas, o cansaço extremo e a exaustão emocional são, na verdade, consequências desse abalo identitário, e não sua origem.
O boreout, por outro lado, compartilha dessa mesma raiz: a ruptura entre quem se é e o que se faz. Mas ele não se manifesta na sobrecarga — e sim na insuficiência. É o oposto em dinâmica, mas gêmeo em impacto.
Conceituado por Peter Werder e Philippe Rothlin em 2007, o boreout descreve o estado de desengajamento crônico e tédio existencial que surge da falta de significado, desafio ou perspectiva no ambiente de trabalho.
Não se trata de “não ter o que fazer”, mas de não ver sentido no que se faz.
A ausência de oportunidades reais de crescimento, a repetição mecânica de tarefas desprovidas de criatividade e a invisibilidade diante dos líderes criam um solo árido, onde a alma profissional resseca lentamente.
Sete em cada dez brasileiros estão desengajados no trabalho, segundo pesquisas recentes. Esse número não é apenas estatístico — é sintomático. Reflete uma crise de propósito nas organizações. Uma epidemia silenciosa que atinge profissionais de todos os níveis e que exige um novo olhar para o que realmente nutre o engajamento humano. Segundo a OMS, o tédio crônico no trabalho aumenta em 35% o risco de desenvolver depressão (Fonte: WHO Mental Health Report).
A Psicologia Por Trás do Boreout
“A alma não suporta o vazio de sentido. Onde há desinteresse, floresce o adoecimento.”
— Marcello de Souza
Do ponto de vista psicológico, o boreout é uma manifestação do rompimento simbólico entre o sujeito e o significado de sua ação. O trabalho, que deveria ser território de expressão do self, passa a operar como um ritual estéril — uma repetição sem alma, onde tempo é trocado por salário, e não por sentido.
Quando esse esvaziamento se instala, o vínculo entre identidade e ocupação começa a se dissolver. A pessoa perde o nexo entre seu papel e seu propósito, afastando-se das motivações que um dia justificaram sua escolha profissional, seu campo de atuação, sua presença naquela organização.
Os sintomas? São insidiosos, silenciosos, muitas vezes confundidos com os do burnout: apatia, irritabilidade, cansaço emocional, sensação de inutilidade. Mas o ponto de inflexão é outro.
Enquanto o burnout emerge da autoexigência exacerbada e da identificação excessiva com a performance, o boreout nasce da alienação afetiva e cognitiva do sujeito em relação à sua atividade.
É um vazio que não explode — mas implode.
A ausência de desafios, a escassez de feedbacks relevantes e a perda do senso de pertencimento constroem uma narrativa interna de insignificância. E, como bem aponta Viktor Frankl, o ser humano adoece quando não encontra motivos para levantar pela manhã.
Nesse cenário, a saúde mental se deteriora lentamente, e com ela, o espírito criativo, o engajamento e a energia que movimentam a inovação e o desempenho coletivo.
A Neurociência do Tédio
“O cérebro humano é uma máquina de sentido. Quando privado de estímulo e propósito, ele silencia — mas não em paz.”
Ao contrário do que muitos imaginam, o tédio não é ausência de atividade cerebral — é uma atividade neurobiológica mal direcionada. Quando um profissional enfrenta longos períodos sem desafios cognitivos, emocionais ou relacionais, o cérebro entra em um estado semelhante à hibernação funcional. As redes neurais responsáveis pela atenção sustentada, pelo planejamento e pela criatividade passam a operar em níveis mínimos, e o chamado Default Mode Network (DMN), responsável por divagações mentais e estados introspectivos, assume o protagonismo.
Essa rede, embora essencial à imaginação e à construção do self, torna-se perigosa quando ativada em excesso, especialmente sem ancoragem em propósito ou direção. A hiperatividade do DMN está relacionada ao aumento de estados ansiosos, sensação de vazio, ruminações mentais e até quadros depressivos leves a moderados.
Do ponto de vista dopaminérgico, o boreout interfere diretamente no ciclo de recompensa. A escassez de estímulos que geram satisfação e a monotonia repetitiva reduzem a liberação de dopamina, neurotransmissor essencial para a motivação, o prazer e a antecipação de conquistas. O resultado? O indivíduo passa a experimentar o trabalho como uma sequência de dias indistintos — sem brilho, sem expectativa, sem alma.
É importante compreender que o cérebro precisa de significado tanto quanto de oxigênio. O tédio crônico, diferente do ócio criativo, corrói silenciosamente a plasticidade neural, reduz a vitalidade emocional e paralisa o impulso de evolução — afetando tanto o indivíduo quanto a cultura organizacional que o cerca.
O Impacto do Boreout nas Organizações
O boreout transcende o mal-estar individual e revela uma falha estrutural nas organizações que negligenciam o engajamento e o desenvolvimento contínuo. Profissionais que se veem privados de desafios não apenas perdem o prazer pelo trabalho, mas também a capacidade criativa e inovadora. As ideias estagnam, a energia para buscar soluções se esgota, e a organização como um todo se torna resistente à transformação.
Pesquisas, como as da Gallup, indicam que a falta de oportunidades para aprender e crescer é um dos principais motores do desengajamento. Por exemplo, uma empresa de tecnologia que mantém seus times em tarefas repetitivas, sem novos projetos ou capacitações, logo verá sua inovação travar, refletindo diretamente no desempenho financeiro e na retenção de talentos.
1. Entre o Excesso e a Escassez: Dois Lados da Mesma Moeda
Enquanto o burnout se manifesta a partir do esgotamento causado pelo excesso de demandas e pressão, o boreout surge da falta de estímulo e propósito. Imagine um profissional que cumpre sua jornada sem novos desafios, apenas “passando o tempo” em atividades burocráticas; ele vive um vazio silencioso que corrói seu engajamento e criatividade.
Por exemplo, um analista de dados que recebe as mesmas tarefas rotineiras sem autonomia ou perspectiva, pode manter a produtividade aparente, mas estará desconectado emocionalmente — com impacto direto na capacidade de inovar ou contribuir estrategicamente.
2. A Anatomia do Tédio: Impactos no Corpo e na Mente
A neurociência demonstra que o cérebro precisa ser estimulado para preservar sua plasticidade e saúde emocional. A ausência de desafios provoca atrofia funcional que se traduz em sintomas sutis, como desmotivação crescente, fadiga mental e até sinais depressivos.
Considere o caso de um profissional que, em reuniões, passa a “desligar”, evita interações e apresenta queda na concentração — esses comportamentos são manifestações do boreout. Tal padrão não afeta só o indivíduo, mas contamina o clima da equipe, reduzindo a colaboração e o dinamismo do ambiente.
3. Cultura Corporativa: Onde o Tédio se Instala
Ambientes com baixa valorização do aprendizado e onde tarefas repetitivas predominam tornam-se terreno fértil para o boreout. Por exemplo, uma indústria tradicional que mantém processos rígidos sem incentivar a inovação, verá seus colaboradores desmotivados, mesmo entre talentos promissores.
Gestores que ignoram essas dinâmicas contribuem para o “quiet quitting” — o afastamento emocional silencioso do trabalho. A ausência de diálogo aberto e reconhecimento deixa a cultura organizacional vulnerável, minando o capital humano e a competitividade.
4. A Filosofia e a Busca pelo Sentido no Trabalho
A filosofia nos lembra que a busca por sentido é inerente ao ser humano. Nietzsche dizia que “o maior tédio é viver sem finalidade”. No contexto corporativo, quando o trabalho perde sua conexão com um propósito maior, ele se torna apenas um mecanismo repetitivo e desumanizante.
Para reverter isso, é fundamental uma reestruturação cultural que valorize o desenvolvimento integral das pessoas — transformando o trabalho em um espaço de expressão e realização. Um exemplo prático seria empresas que promovem projetos de impacto social alinhados aos valores individuais dos colaboradores, resgatando o “porquê” do trabalho e fortalecendo a motivação intrínseca.
Como Identificar o Boreout?
Os sinais de boreout podem ser sutis, mas são devastadores. O profissional que está passando por esse quadro pode começar a apresentar comportamentos como:
• Desinteresse pelas tarefas: Mesmo as mais simples, que antes poderiam ser feitas com dedicação, começam a ser negligenciadas.
• Falta de motivação para aprender ou melhorar: Não há ânimo para novos desafios ou aperfeiçoamento.
• Sentimento de futilidade e inutilidade: A sensação de que o trabalho não faz diferença e que não há propósito.
• Desconexão com a equipe e com os objetivos da empresa: Um afastamento emocional e intelectual do trabalho e da organização.
• Baixo desempenho e produtividade: O tédio gera um ciclo vicioso de desmotivação e baixa produtividade.
Esses sinais podem ser difíceis de detectar em suas fases iniciais, mas, se não tratados, podem evoluir para problemas mais graves, como a demissão silenciosa ou o quiet quitting, onde o profissional não deixa a empresa, mas se desliga emocionalmente, realizando apenas o mínimo necessário para se manter no cargo.
Boreout e Quiet Quitting: Um Olhar Integrativo e Profundo
Na contemporaneidade do mundo corporativo, dois fenômenos vêm ganhando destaque ao revelar nuances sutis, porém poderosas, do engajamento e do comportamento no trabalho: o boreout e o quiet quitting. Embora, à primeira vista, possam parecer manifestações semelhantes de desmotivação, a análise interdisciplinar revela que suas origens e impactos diferem significativamente, abrindo janelas para compreensões neurocomportamentais, filosóficas e organizacionais que enriquecem a abordagem da liderança e do desenvolvimento humano.
1. Aspectos Neurocomportamentais: A Neurociência do Engajamento e da Desconexão
O boreout — caracterizado pelo tédio crônico e pela falta de desafios cognitivos — ativa uma resposta neurológica marcada pela redução na liberação de dopamina, neurotransmissor ligado à motivação e ao prazer. A monotonia provoca uma espécie de “hibernação cognitiva”, na qual o cérebro busca preservar energia, gerando sensação de apatia e desconexão.
Já o quiet quitting, por sua vez, é uma manifestação mais complexa e consciente, onde o indivíduo opta por limitar sua entrega ao mínimo contratual, numa tentativa de preservar o equilíbrio emocional e evitar o esgotamento (burnout). Aqui, entra em jogo o córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrole e pela regulação emocional, que atua como mecanismo de defesa para evitar o desgaste mental e físico.
Por exemplo, imagine um analista de sistemas que, diante da repetição constante das mesmas tarefas simples (boreout), começa a sentir sua motivação desaparecer, e seu cérebro, em modo de economia energética, reduz sua capacidade de concentração e inovação. Em contraste, um gestor que decide praticar quiet quitting passa a estabelecer limites claros para sua jornada e seu esforço, buscando proteger sua saúde mental, mesmo que isso represente um desacelerar perceptível para a organização. ´
2. Perspectiva Filosófica: A Busca de Sentido e a Ética do Trabalho
Sob a ótica filosófica, o boreout reflete um vazio existencial no trabalho, uma crise de sentido onde o indivíduo se vê alienado da atividade que realiza — uma situação reminiscentemente descrita por Heidegger como o “ser lançado” num mundo sem significado autêntico. O tédio aqui não é apenas falta de estímulo, mas a ausência de propósito.
O quiet quitting, por sua vez, pode ser interpretado como um ato de resistência ética, uma recusa consciente a se submeter a uma lógica produtivista que exige dedicação total e invisível, sem reconhecimento adequado. É um exercício de autonomia, um “não” silencioso que reivindica a dignidade do sujeito em meio às pressões corporativas.
Imagine uma profissional de marketing que sente que suas tarefas diárias não contribuem para um propósito maior (boreout) enfrenta um desafio existencial: como resgatar sentido na repetição? Outro profissional que, ao decidir fazer quiet quitting, busca proteger sua integridade ética e pessoal, questiona os valores da cultura organizacional que espera “entrega total” como padrão inquestionável.
2. Enfoque Organizacional: Cultura, Liderança e Impacto Sistêmico
Organizacionalmente, boreout e quiet quitting são sintomas claros de falhas no design de trabalho e na gestão de pessoas. O boreout indica falta de alinhamento entre competências, desafios e propósito; o quiet quitting sinaliza desgaste e insatisfação com a cultura e as expectativas não sustentáveis da organização.
Líderes que adotam uma postura integrativa entendem que prevenir esses fenômenos demanda ambientes que promovam autonomia, reconhecimento real e oportunidades de crescimento cognitivo e emocional. A promoção de uma cultura saudável não pode prescindir da escuta ativa e da adaptação contínua às necessidades humanas que transcendem o mero cumprimento de tarefas.
Se uma empresa de tecnologia que investe em job rotation, capacitação constante e feedback construtivo consegue minimizar o boreout, mantendo equipes engajadas e desafiadas. Já outra organização que exige horas extras frequentes sem flexibilidade ou valorização pode ver crescer o quiet quitting, impactando a produtividade e a retenção de talentos.
Fato é que Boreout e quiet quitting não são apenas fenômenos isolados, mas sinais sutis e poderosos da complexa relação entre o ser humano e o trabalho na era contemporânea. Ao compreender suas raízes neurobiológicas, seus significados filosóficos e suas manifestações organizacionais, líderes e profissionais podem se transformar em agentes de mudança capazes de criar ambientes onde o propósito, o desafio e a dignidade se entrelaçam para promover um desenvolvimento sustentável e genuíno.
Como Combater o Boreout?
O antídoto contra o boreout é multifacetado e exige um comprometimento genuíno das organizações e dos colaboradores. As empresas precisam ir além da simples atribuição de tarefas — devem construir uma cultura que valorize a experimentação, o aprendizado contínuo e a inovação constante. Ambientes que reconhecem e potencializam os talentos individuais cultivam energia, engajamento e resiliência contra o tédio.
Para as organizações, isso significa:
• Promover uma Cultura de Experimentação e Inovação: Permitir que os colaboradores testem novas ideias e abordagens sem medo do erro. Por exemplo, criar “laboratórios de inovação” internos onde equipes possam desenvolver projetos paralelos, estimulando a criatividade e o senso de propósito.
• Valorizar o Diálogo e a Escuta Ativa: Implementar canais transparentes e constantes de feedback, onde sinais sutis de desmotivação possam ser detectados precocemente. Imagine reuniões regulares de “check-in emocional”, onde líderes e equipes discutem não só resultados, mas também como estão se sentindo diante dos desafios.
• Fomentar Programas de Desenvolvimento: Investir em treinamentos, mentorias e oportunidades que desafiem intelecto e espírito, como formações interdepartamentais que ampliem horizontes e quebrem a rotina mecânica.
Por sua vez, os colaboradores podem – e devem – atuar internamente para se proteger do boreout:
• Buscar o Autoconhecimento: Refletir profundamente sobre suas motivações e reencontrar o “porquê” que os conecta à função que exercem. Por exemplo, dedicar momentos regulares para journaling ou sessões de coaching que ajudem a mapear interesses e valores pessoais.
• Propor Iniciativas: Não esperar passivamente por mudanças externas. Tomar a iniciativa de sugerir novos projetos, diversificar tarefas ou até mesmo propor pequenas revoluções no dia a dia que tragam mais significado.
• Reconectar-se com a Paixão Pessoal: Encontrar um fio condutor entre o trabalho e os interesses pessoais, transformando a rotina em uma experiência que une desenvolvimento profissional e crescimento interior — seja incorporando hobbies, voluntariados ou aprendizados que ressoem com sua essência.
Casos Reais: Quando o Boreout Se Transforma em Catalisador de Transformações Internas e Sistêmicas
“Não é a exaustão pelo excesso de trabalho que mais adoece, mas o esvaziamento de sentido diante da repetição estéril.” – Marcello de Souza
O boreout, esse fenômeno silencioso que dilacera a alma produtiva sob o disfarce da estabilidade, tem ceifado muito mais do que motivação: tem desconectado indivíduos de seu potencial criativo. Porém, como todo estado-limite, ele também pode ser um ponto de ruptura — ou de renascimento. A seguir, dois exemplos concretos e adaptados que revelam como o vazio, quando reconhecido, pode ser transmutado em potência transformadora.
1. Do Tédio à Iniciativa: O Analista que Reprogramou Seu Propósito
João (nome fictício) era um analista financeiro dentro de uma estrutura multinacional robusta, mas estática. Por três anos, seus dias se resumiam à repetição mecânica de planilhas — uma engrenagem invisível de um sistema que premiava conformidade e punia o devaneio criativo. Os sintomas vieram em silêncio: ansiedade, sensação de inutilidade, crises existenciais no meio da tarde.
Contudo, algo nele se recusava a definhar. João, autodidata por natureza, vinha estudando automação de dados com Python em seus momentos livres — um gesto quase subversivo dentro de uma rotina entorpecida. Um dia, entre uma planilha e outra, ousou propor ao gestor um projeto paralelo: automatizar os relatórios que consumiam horas do time.
A resposta da liderança foi a virada. O projeto-piloto não só otimizou processos críticos, como despertou na organização uma nova percepção sobre o potencial humano ignorado. Seis meses depois, João foi promovido a consultor interno de eficiência operacional. O que era boreout virou um convite à reinvenção profissional.
“Todo colaborador tem dentro de si uma centelha de inovação adormecida. A diferença está em quem percebe, e quem permite que ela se acenda.”
— Adaptado de Jacob Morgan, O Futuro do Trabalho
2. Redesenhar para Evoluir: Quando a Organização Decide se Tornar Escola de Possibilidades
A alguns meses atrás estive ministrando um trabalho de DCCO na empresa XXXX (nome fictício), uma startup promissora de TI, enfrentava um problema estrutural: altos índices de rotatividade, clima de apatia e reclamações crescentes de desmotivação. Por trás dos jantares de integração e do “happy hour às sextas”, havia uma verdade desconfortável: a rotina havia se tornado anestesia.
Ao invés de buscar soluções paliativas — como bônus ou eventos motivacionais —, a liderança decidiu ir à raiz: redesenhar o próprio modelo de trabalho. Implantaram duas medidas-chave:
Sprints de Inovação: 20% da jornada semanal liberada para projetos pessoais vinculados à estratégia da empresa.
Job Rotation a cada 6 meses, para estimular aprendizado contínuo e ampliar repertórios cognitivos.
O resultado foi surpreendente. Em 12 meses, a taxa de turnover caiu 40%. Mais do que isso, surgiram dois novos produtos desenvolvidos por colaboradores durante as “janelas criativas” oferecidas.
“Empresas como a XXXX mostraram que combater o boreout exige mais do que benefícios superficiais. Ao permitir que colaboradores dedicassem 20% do tempo a projetos pessoais, não só reduziram o desgaste como colheram inovações orgânicas.”
Esse caso me faz lembrar da abordagem da 3M, que há décadas oferece 15% do tempo para iniciativas pessoais — gesto que gerou, entre outras coisas, o icônico Post-it. Mais do que políticas de RH, trata-se de uma mudança epistemológica: enxergar o colaborador como agente criativo, e não como um executor previsível.
Quando o Vazio Encontra Sentido, a Inovação Acontece
“Toda rotina que não evolui vira cárcere disfarçado de estabilidade.”
– Marcello de Souza
Esses dois casos nos mostram que o boreout, embora doloroso, pode ser um portal de reconexão entre o fazer e o ser. Ele denuncia o descompasso entre propósito e produtividade, e nos convida a rever a forma como concebemos tanto o indivíduo quanto a organização.
Que lideranças estamos formando? Que ambientes estamos cultivando? A pergunta não é apenas como reter talentos, mas como nutrir suas inteligências — para que permaneçam não apenas empregados, mas engajados, vivos, criativos e em expansão.
E Você, Está Vivendo no Piloto Automático?
“O vazio não se preenche com ocupação; se preenche com sentido.”
— Marcello de Souza
Se você tem se sentido desmotivado, esvaziado de entusiasmo ou soterrado por uma névoa de apatia que não sabe nomear — talvez esteja vivendo um boreout existencial. Mais do que uma síndrome organizacional, trata-se de uma crise subjetiva, silenciosa, que corrói o sentido das pequenas ações do cotidiano. E nesse ponto, não há empresa, líder ou cargo que possa nos resgatar se não formos capazes de nos reencontrar por dentro.
James Hillman, em sua psicologia arquetípica, dizia que nossa alma não sofre por excesso de esforço, mas por falta de significado. O tédio, nesse sentido, não é cansaço — é ausência de presença. Clarice Lispector, com sua linguagem visceral, já anunciava: “Estou sentindo uma falta de mim tão grande que mal posso respirar.” E é exatamente isso: muitas vezes, adoecemos não porque temos demais a fazer, mas porque nos perdemos de nós mesmos no que fazemos.
Byung-Chul Han, em “A Sociedade do Cansaço”, descreve um mundo onde o excesso de positividade e produtividade nos empurra para a anestesia afetiva. Tornamo-nos máquinas performáticas, mas emocionalmente ausentes. Vivemos ocupados, mas não estamos conectados. Executamos tarefas, mas não mais nos perguntamos se aquilo que fazemos ainda pulsa em nós.
É nesse vácuo de sentido que se instala o boreout: uma morte em vida, onde o corpo está presente, mas a alma desertou. E a única saída é o retorno a si — um ato de coragem, quase alquímico, que nos convida a olhar com honestidade para dentro e perguntar: Quando foi que deixei de ser quem sou?
A psicologia comportamental nos lembra que mudanças externas só se sustentam quando precedidas por reinvenções internas. Identificar nossas crenças limitantes, nossos valores negligenciados e nossos desejos reprimidos é o primeiro passo para reconstruir a ponte entre fazer e ser. Carl Rogers propunha que só quando nos aceitamos plenamente é que nos tornamos livres para mudar. E isso inclui aceitar o cansaço, a insatisfação e até o tédio como mensagens legítimas da alma — clamando por escuta.
Autoconhecimento e autoamor, portanto, não são luxos — são formas de sobrevivência emocional num mundo que nos hipnotiza com distrações e exigências externas. Quando nos reconectamos com o que verdadeiramente importa, o boreout perde seu poder de nos paralisar. Voltamos a sentir o sangue correndo quente nas veias. Voltamos a vibrar.
Então, talvez a pergunta mais urgente não seja o que você faz, mas por que você parou de sentir o que fazia vibrar dentro de você?
E você, está onde enquanto sua vida passa? Quantas partes de si estão adormecidas dentro da rotina que hoje repete sem questionar? O que em você ainda pulsa e pede para ser reanimado?
“Acordar é doloroso. Mas viver dormindo é desesperador.” — (inspirado na obra de Cioran)
Por fim, um silêncio que grita
“Não há nada mais insuportável para o homem do que estar completamente em repouso, sem paixões, sem ocupações, sem diversões, sem empenho. Ele sente então o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo, do fundo da sua alma surgirá o tédio, a melancolia, a tristeza, a inquietude, a frustração, o desespero.” — Blaise Pascal
O boreout não é apenas um sintoma da ausência de desafios. Ele é um espelho cruel da desconexão entre o ser humano e o sentido do seu fazer. É uma ferida invisível, mas profunda, que alerta — sem alarde — para o descompasso entre produtividade e propósito, entre presença física e presença psíquica. Um chamado à reinvenção da forma como nos relacionamos com o trabalho.
As organizações, ao negligenciar o papel do significado, tornam-se fábricas de tédio disfarçadas de eficiência. Culturas que ignoram a subjetividade do colaborador produzem corpos ocupados, mas almas exaustas. O remédio, entretanto, não está nos rituais de engajamento ou nos pacotes de benefícios, mas na escuta ativa, na presença genuína e na coragem de cultivar propósito em cada jornada.
Em um mundo que nos cobra produtividade constante, talvez o gesto mais revolucionário de uma liderança lúcida seja devolver o sentido ao trabalho. E isso não se faz com frases de efeito nem com metas sobre-humanas, mas com intencionalidade, humanidade e consciência sistêmica. Combater o boreout é, acima de tudo, uma escolha ética: um compromisso com a vida que ainda pulsa — mesmo que em silêncio — dentro de cada colaborador. Além disso, vale lembrar que no estudo da Harvard Business Review (2022) mostrou que profissionais desafiados são 2x mais produtivos e 3x mais criativos.
Você está atento ao silêncio dos seus talentos?
Sua cultura estimula ou anestesia a potência humana em sua organização?
“A vida nunca se torna insuportável pelas circunstâncias, mas apenas pela falta de sentido e propósito.” — Viktor Frankl
Como podemos, enquanto líderes e profissionais, reimaginar o ambiente de trabalho para que ele não seja fonte de desgaste ou tédio, mas sim um terreno fértil para o florescimento do propósito, da criatividade e da saúde integral? Que práticas e culturas podemos cultivar para que o sentido deixe de ser luxo e passe a ser a pedra angular da experiência laboral?
O desafio está lançado: transformar o espaço corporativo em um habitat vivo para a alma do trabalhador — um espaço onde o tédio não mate, mas a paixão se renove incessantemente.
E você — como tem experienciado a busca por sentido no seu trabalho?
Quais iniciativas tem cultivado (ou gostaria de cultivar) para transformar rotinas em rituais significativos e romper com o tédio que paralisa a inovação?
Compartilhe suas experiências e percepções nos comentários.
A sua vivência pode ser o farol para muitos que, em silêncio, ainda buscam sentido no escuro das suas tarefas.
#boreout #engajamento #desenvolvimentohumano #liderança #neurociênciaorganizacional #marcellodesouza #marcellodesouzaoficial #coachingevoce #sentidodotrabalho #liderançacompropósito #neurociêncianoambienteorganizacional
Você pode gostar

TRANSFORMANDO DERROTAS EM CONQUISTAS: A JORNADA DE ACEITAR E CRESCER COM OS FRACASSOS
15 de agosto de 2023
OS VAMPIROS ORGANIZACIONAIS
12 de junho de 2023