
Ghostworking: A Crise Silenciosa do Sentido no Trabalho
ESTA SEMANA DESCOBRI UMA NOVA PALAVRA PARA UM FENÔMENO ANTIGO, MAS SILENCIOSO: GHOSTWORKING.
Você conhece alguém que “já foi embora”, mesmo estando presente todos os dias?
Nos corredores das empresas, eles estão lá: conectados, pontuais, entregando o mínimo. Mas por dentro, já desistiram. Esta é a anatomia silenciosa do ghostworking — e talvez esteja mais perto de você do que imagina.
O que faz você continuar em um trabalho que, no fundo, já abandonou emocionalmente? Enquanto empresas medem produtividade por horas, muitos profissionais transformam o expediente em um palco para planejar a saída. Ghostworking não é apenas uma tendência: é um sintoma de uma crise de sentido que está redesenhando o futuro do trabalho.
Nos últimos 27 anos, como especialista em Desenvolvimento Cognitivo Comportamental (DCC), tenho acompanhado de perto as dinâmicas que moldam as relações entre indivíduos e organizações. O ghostworking — prática em que colaboradores fingem produtividade enquanto buscam novas oportunidades no horário de trabalho — não é um fenômeno novo, mas ganhou nome e escala em um mundo onde a desconexão emocional virou norma. No Brasil, onde o cansaço emocional muitas vezes é confundido com resiliência, esse comportamento é um grito silencioso por propósito, segurança e pertencimento.
O que é ghostworking e por que ele importa?
Imagine a cena: um profissional participa de uma reunião, anota no caderno, mantém planilhas abertas, mas sua mente está em outro lugar — atualizando o currículo, pesquisando vagas no LinkedIn ou respondendo a um recrutador. Ele está presente, mas ausente. Seu corpo cumpre o expediente, mas sua alma já pediu demissão. Esse é o ghostworking: uma presença fantasma no trabalho, onde a energia é direcionada para a autopreservação, não para a entrega.
Esse fenômeno não é apenas uma questão de “deslealdade”. É um reflexo de uma crise mais profunda, que expõe falhas nas organizações e nas expectativas mútuas entre líderes e equipes. Como especialista em DCC, vejo o ghostworking como um sintoma comportamental que revela desengajamento, insegurança e, acima de tudo, uma busca por significado.
A neurociência e a psicologia por trás do ghostworking
Nosso cérebro é programado para buscar coerência entre o que fazemos e o que acreditamos. Quando o trabalho não oferece propósito, surge a dissonância cognitiva, um desconforto psicológico que nos leva a agir para restaurar o equilíbrio. No DCC, chamamos isso de evasão comportamental: o indivíduo se desliga emocionalmente da função, mesmo que permaneça fisicamente. Estudos da neurociência, como os conduzidos por Antonio Damasio, mostram que emoções são centrais na tomada de decisão. Sem conexão emocional com o trabalho, o cérebro redireciona sua energia para alternativas que prometam alívio — como buscar um novo emprego.
A psicologia social reforça essa ideia. Segundo a teoria da autodeterminação, três necessidades básicas impulsionam a motivação: autonomia, competência e pertencimento. Quando uma organização falha em atender essas necessidades — seja por metas desconexas, falta de reconhecimento ou liderança autoritária —, o engajamento despenca. Dados globais da Gallup indicam que apenas 13% dos trabalhadores se sentem verdadeiramente engajados. O ghostworking surge como uma resposta natural: uma tentativa de recuperar o controle em um ambiente que parece desprovido de sentido.
As raízes do ghostworking: o que está impulsionando essa crise?
O ghostworking não é um comportamento isolado, mas o resultado de dinâmicas estruturais e culturais. Vamos explorar suas principais causas:
Falta de propósito compartilhado
Quando as tarefas de um profissional não estão conectadas aos objetivos maiores da organização, o trabalho vira um exercício mecânico. Como Viktor Frankl, sobrevivente do holocausto e criador da logoterapia, nos ensinou: “O ser humano não é destruído pela falta de recursos, mas pela falta de sentido.” Sem um “porquê” claro, o expediente se torna um vazio a ser preenchido — muitas vezes, com a busca por novas oportunidades.
Insegurança no mercado de trabalho
A volatilidade econômica e as constantes manchetes sobre demissões criaram um estado de alerta permanente. A lealdade, outrora pilar das relações trabalhistas, deu lugar à autopreservação. Profissionais não esperam mais por estabilidade; eles se antecipam, mantendo um “plano B” ativo.
Fronteiras borradas entre vida pessoal e profissional
O trabalho remoto e híbrido, embora libertador em muitos aspectos, dissolveu os limites tradicionais do expediente. Essa flexibilidade, paradoxalmente, abriu espaço para o ghostworking. É mais fácil atualizar um currículo ou atender uma ligação de recrutador quando o chefe não está a poucos metros de distância.
Desvalorização e estagnação
Sentimentos de subvalorização — seja por salários abaixo do mercado, falta de reconhecimento ou ausência de crescimento — alimentam o ghostworking. Para muitos, procurar outro emprego é uma forma de retomar o controle sobre a própria trajetória, uma resposta à frustração de se sentir preso em um papel sem futuro.
O custo invisível do ghostworking
Para as organizações, o ghostworking é mais do que uma perda de produtividade. É um rombo em três frentes:
Recursos desperdiçados: Empresas pagam salários para colaboradores que, em vez de contribuir, planejam sua saída. Isso é um mau investimento de capital humano.
Confiança abalada: A vigilância como resposta ao ghostworking cria um ciclo de desconfiança. Líderes que monitoram criam equipes que se escondem, minando a colaboração essencial para equipes de alto desempenho.
Cultura fragilizada: O ghostworking é um termômetro da saúde organizacional. Quando colaboradores se tornam “fantasmas”, é sinal de que a cultura não inspira, não conecta e não retém.
Transformando o ghostworking em oportunidade
No DCC, usamos sintomas como o ghostworking para diagnosticar e transformar. Ele não é o problema, mas o espelho de falhas que podem ser corrigidas. Aqui estão três estratégias práticas, embasadas em ciências comportamentais, para reverter esse cenário:
Construa um propósito compartilhado
Líderes devem alinhar as tarefas individuais aos objetivos maiores da organização. Mostre ao colaborador como seu trabalho impacta o todo. Um estudo da Harvard Business Review mostra que equipes com propósito claro têm 25% menos rotatividade. No DCC, usamos técnicas como a recontextualização cognitiva para ajudar profissionais a enxergarem significado em suas funções.
Invista em trilhas de crescimento
Profissionais que veem um futuro dentro da empresa não buscam a saída. Crie programas de desenvolvimento contínuo, mentorias e mobilidade interna. A neurociência nos ensina que a sensação de progresso ativa o sistema de recompensa do cérebro, aumentando o engajamento.
Lidere com conexão, não controle
Substitua a vigilância por escuta ativa. Pergunte: “O que te motiva a estar aqui?” ou “O que falta para você se sentir pleno no seu trabalho?” Ambientes de alta confiança psicológica, como apontam estudos da Google, reduzem o burnout e aumentam a inovação. No DCC, treinamos líderes para criar espaços onde as pessoas escolham se engajar, não por obrigação, mas por inspiração.
O futuro do trabalho: presença com potência
O ghostworking é um convite à reflexão para líderes e profissionais. Para as organizações, ele pergunta: “O que você está fazendo para que seu time queira estar aqui, de corpo e alma?” Para os indivíduos, ele provoca: “O que você sustenta por fora que, por dentro, já abandonou?”
O futuro do trabalho não será construído por quem apenas aparece, mas por quem está inteiro — com presença, propósito e potência. Como especialista em DCC, acredito que a transformação começa quando líderes e colaboradores se perguntam: “Como posso criar sentido hoje?”
E você, está presente ou apenas aparecendo?
#marcellodesouza #marcellodesouzaoficial #coachingevoce

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