
Inovar sem Enxergar o Sistema é Remar às Cegas
Quantas vezes você já se deparou com uma inovação que, à primeira vista, parecia revolucionária, mas que, com o tempo, revelou camadas de desequilíbrio e prejuízos inesperados? Pense em plataformas digitais que democratizam o acesso à informação, mas alimentam bolhas de polarização e erosão da confiança social. Ou em modelos de trabalho remoto que prometem flexibilidade, mas exacerbam o isolamento emocional e o burnout em equipes distribuídas. Em um mundo onde tudo está interligado — de cadeias de suprimentos globais a dinâmicas emocionais em organizações —, inovar sem mapear essas conexões é como navegar um rio caudaloso com os olhos vendados: você pode avançar rápido, mas o risco de colisão é inevitável.
Como especialista em desenvolvimento comportamental humano e organizacional, vejo isso diariamente em líderes e empresas que priorizam a velocidade sobre a visão holística. Mas por que isso acontece? A neurociência nos oferece pistas: nosso cérebro, moldado pela evolução para respostas rápidas e focadas em ameaças imediatas, tende ao “viés de confirmação” — priorizando dados que reforçam nossas hipóteses iniciais, ignorando interdependências mais sutis. Estudos em psicologia cognitiva, como os de Daniel Kahneman em seu trabalho sobre heurísticas mentais, mostram como essa tendência nos leva a soluções parciais, que resolvem um problema enquanto criam outros. No entanto, para ir além, precisamos integrar perspectivas da filosofia complexa, como as de Edgar Morin, que defende o “pensamento complexo” como antídoto ao reducionismo: enxergar o mundo não como partes isoladas, mas como um tecido de relações dinâmicas, onde o todo é mais do que a soma.
Imagine uma startup brasileira de e-commerce que lança um algoritmo de recomendação “inteligente” para impulsionar vendas. Inicialmente, os números explodem. Mas, sem uma lente sistêmica, eles ignoram como isso afeta fornecedores locais, que enfrentam demandas voláteis e perdas financeiras, ou como reforça desigualdades regionais ao priorizar centros urbanos. Aqui, o “design thinking” clássico — centrado no usuário final — falha porque se limita ao imediato, negligenciando loops de feedback mais amplos. Já o “breakthrough thinking”, com sua ênfase em rupturas radicais, pode inovar disruptivamente, mas frequentemente desestabiliza ecossistemas inteiros, como visto em casos de gig economy que precarizam o trabalho sem redes de proteção.
A saída? Adotar o “systems thinking” como prática cotidiana, não como buzzword. Inspirado em pensadores como Donella Meadows, que em “Thinking in Systems” explora alavancas de mudança em estruturas complexas, essa abordagem nos convida a mapear fluxos, interações e pontos de alavancagem. Em termos comportamentais, isso se alinha à teoria da complexidade adaptativa de Stuart Kauffman, da biologia evolutiva, onde sistemas vivos prosperam por meio de adaptações emergentes, não imposições top-down. Na prática organizacional, isso significa iniciar com perguntas abertas: Como essa inovação altera as relações de poder na equipe? Quais impactos indiretos ela gera na saúde mental dos envolvidos, considerando evidências da psicologia social sobre estresse crônico em ambientes instáveis?
Não se trata de paralisia por análise, mas de experimentação consciente. Use “nudges” comportamentais — pequenos empurrões, como os descritos por Cass Sunstein em contextos regulatórios — para testar hipóteses sistêmicas. Por exemplo, uma empresa de manufatura poderia reorganizar turnos não apenas por eficiência, mas considerando o bem-estar familiar dos funcionários, medindo impactos em retenção e produtividade via métricas holísticas. Filosofia estoica, com Epicteto nos lembrando que controlamos apenas nossas respostas, complementa isso: inovar sistemicamente é focar no que podemos influenciar, antecipando ondas de repercussão.
E se formos mais profundos? A sociologia de Bruno Latour, em sua “teoria ator-rede”, nos provoca a ver inovações não como atos isolados, mas como assembleias de humanos e não-humanos — tecnologias, normas, ambientes. Ignorar isso é perpetuar ciclos viciosos: líderes que “avançam” sem visão sistêmica acabam erodindo a resiliência do próprio sistema que os sustenta, levando a crises como as burnout epidemics pós-pandemia, documentadas em relatórios da OMS sobre saúde mental no trabalho.
A provocação é esta: e se sua próxima inovação não for um produto, mas uma reconfiguração de relações? Pergunte-se: estou fortalecendo o ecossistema ou criando fragilidades ocultas? Em um mundo volátil, a verdadeira transformação surge quando integramos ciência comportamental, filosofia reflexiva e visão estratégica para gerar valor sustentável. Não rememos às cegas — naveguemos com olhos abertos, transformando desafios em evoluções coletivas.
Dr. Marcello de Souza Especialista em Desenvolvimento Comportamental Humano & Organizacional
Para se aprofundar ainda mais no tema, leia o artigo original no qual me inspirei: Why You Need Systems Thinking Now
https://hbr.org/2025/09/why-you-need-systems-thinking-now?ab=HP-bottom-popular-text-2
By Tima Bansal, Julian Birkinshaw
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