
O Fim dos Sonhos e a Morte da Criatividade
Vivemos uma época de grande transformação, mas não estamos evoluindo da forma que imaginamos. Somos mais conectados do que nunca, com acesso instantâneo a informações e a um mundo virtual imersivo. No entanto, enquanto o exterior parece estar em constante movimento, nosso mundo interior, aquele que alimenta nossa criatividade e imaginação, está lentamente sendo desintegrado. A vida moderna, com seus estímulos constantes e um fluxo ininterrupto de informação, está matando o que há de mais vital para nossa essência: o sonho.
Sidarta Ribeiro, renomado neurocientista e autor de “O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho” (2019), é um dos principais estudiosos que denuncia essa questão. Ele nos alerta que as novas gerações correm o risco de perder a capacidade de acessar seu inconsciente, uma habilidade essencial para a criatividade e inovação. O sonho, em todas as suas formas, é a chave para novas ideias, metáforas e a liberdade de explorar o desconhecido. Mas o que acontece quando essa chave é perdida?
O Papel Fundamental dos Sonhos na Criatividade Humana
Os sonhos, ao longo da história, desempenharam um papel crucial nas culturas humanas. Em civilizações antigas, como as do Egito, Mesopotâmia e Grécia, os sonhos eram vistos como oráculos, fontes de sabedoria divina ou revelações sobre o futuro. O filósofo grego Aristóteles já considerava os sonhos como uma forma de interpretação das experiências do cotidiano, enquanto Platão acreditava que os sonhos eram um reflexo das ideias mais profundas e imortais da alma humana.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, deu outro passo significativo ao afirmar que os sonhos são uma “via régia” para o inconsciente. Para Freud, os sonhos eram a expressão mais pura do desejo humano, as imagens simbólicas que surgem para revelar conflitos internos não resolvidos. Hoje, sabemos que os sonhos não são apenas uma forma de expressão emocional ou mental, mas também uma plataforma fundamental para o surgimento da criatividade.
Pesquisas neurocientíficas contemporâneas, como as de Matthew Walker, professor de neurociência e autor de “Por Que Nós Dormimos” (2017), confirmam que o sono e os sonhos são cruciais para consolidar a memória e estimular a criatividade. Durante o sono REM (movimento rápido dos olhos), o cérebro reorganiza e processa informações, ligando conhecimentos aparentemente desconexos. Esse processo de recombinação de ideias é fundamental para a inovação, pois é durante o sono que nossa mente tem liberdade para explorar novas possibilidades sem as limitações da lógica rígida da vigília.
O Impacto da Sociedade Moderna na Qualidade do Sono
Entretanto, vivemos em uma era que está, literalmente, nos afastando de nossas capacidades naturais. O aumento exponencial do uso de dispositivos digitais e a cultura do trabalho 24/7 não só diminuem a qualidade do nosso sono, mas também reduzem as oportunidades para que o cérebro acesse esses estados criativos essenciais.
A Associação Brasileira do Sono (ABS) revelou que a média de sono da população brasileira caiu de 6,6 horas por noite em 2018 para 6,4 horas em 2019, muito abaixo da quantidade recomendada de 7 a 8 horas. A falta de sono, em longo prazo, pode resultar em déficits cognitivos significativos, como dificuldades de concentração, perda de memória e até alterações emocionais. Mas o problema vai além da saúde física.
A ciência de que os sonhos ajudam na solução de problemas e na inovação criativa é confirmada por estudos recentes. No ano de 2000, Robert Stickgold, professor de psicologia da Universidade de Harvard, conduziu uma pesquisa demonstrando que os participantes que foram privados de sono mostraram uma drástica redução em suas habilidades de resolução criativa de problemas. Quando esses mesmos participantes tiveram uma boa noite de sono, suas habilidades criativas aumentaram significativamente no dia seguinte.
Além disso, o impacto das telas é inegável. O neurocientista Sidarta Ribeiro aponta que a constante exposição às telas, especialmente antes de dormir, tem um impacto devastador na qualidade do sono e na capacidade de sonhar. Com a mente sobrecarregada de estímulos visuais e informações rápidas, o cérebro tem dificuldade de entrar em um estado de relaxamento profundo necessário para que os sonhos floresçam. Quando a mente está constantemente ativa, é como se não houvesse espaço para a criatividade emergir.
O Declínio da Imaginação
Como a tecnologia e o trabalho incessante moldam nossas vidas, a capacidade de sonhar e de criar algo novo está sendo drasticamente comprometida. Ribeiro adverte que as gerações futuras provavelmente se tornarão extremamente literais, com menos espaço para metáforas, alegorias, poesia e filosofia. A arte de sonhar, de imaginar, está sendo substituída pela lógica impiedosa da produtividade.
Na educação, por exemplo, é cada vez mais comum ver jovens com dificuldades para se concentrar, especialmente em atividades como a leitura. Estudos realizados no laboratório de Ribeiro mostram que a leitura profunda é um exercício mental crucial para o desenvolvimento de um discurso complexo e a capacidade de imaginar novas possibilidades. No entanto, a dependência excessiva da tecnologia e a falta de tempo para reflexões mais profundas fazem com que muitos jovens se sintam desconectados de seu próprio potencial criativo.
Como Recuperar a Criatividade e os Sonhos?
Sidarta Ribeiro sugere que devemos resgatar práticas que nos conectem com nosso inconsciente e nosso potencial criativo. Ele recomenda, por exemplo, a prática da autosugestão antes de dormir, com frases simples como: “Vou dormir, sonhar e relatar”. Isso ajuda o cérebro a focar na experiência onírica e facilita a lembrança dos sonhos. Além disso, manter um diário de sonhos, onde as experiências oníricas são registradas imediatamente ao acordar, pode ajudar a fortalecer essa conexão com o inconsciente.
Desacelerar, diminuir o ritmo frenético do cotidiano e permitir-se momentos de introspecção é essencial. O sono não deve ser visto apenas como uma pausa, mas como uma etapa fundamental para o rejuvenescimento criativo e a inovação.
O Futuro da Criatividade Está em Nossas Mãos
A mensagem de Sidarta Ribeiro é clara: sem os sonhos, sem o espaço para a criatividade, estamos criando uma sociedade que se afasta da sua essência. Estamos perdendo a capacidade de sonhar, de criar e de imaginar o novo. E, no ritmo acelerado da vida moderna, estamos sacrificando uma das ferramentas mais poderosas da nossa evolução como espécie. Para um futuro mais criativo e inovador, devemos resgatar a capacidade de sonhar, de desacelerar e de nos reconectar com nosso inconsciente.
O futuro da criatividade começa agora – e passa pelo resgate dos nossos sonhos.

O Hormônio da Confiança
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